sábado, 14 de janeiro de 2012

Foz do Iguaçu e Tríplice Fronteira – de 03 a 07 de janeiro de 2012


Por quantas estradas um homem é capaz de perambular na busca incessante de uma identidade? Por mais que nosso egocentrismo nos induza a seguir uma moral edificada sobre princípios individuais, sobre visões pessoais de como as dinâmicas de mundo e sociedade deveriam ser, peremptoriamente nos voltamos ao nosso lado social, interacional, humanamente abrangente, buscando entender primariamente aos outros, ao universo. Agindo de tal maneira, compulsoriamente vamos construindo uma ideia de ser humano e, através da conduta de outros semelhantes, vamos delineando nosso senso crítico, personalidade e, em decorrência de tudo isso, nossa conduta como seres bípedes ditos conscientes. Eu, como alguns outros, tenho meus paradigmas, muitos deles petrificados na forma de dogmas. Vaguei o suficiente para deixar de ver alvoradas no futuro da espécie, passando a ver, ao contrário, crepúsculos acinzentadamente se randomizando. Talvez por isso, hoje, veja mais futuro no mundo natural, biológico, geográfico. Vejo mais vida nas corredeiras de um rio do que nos olhos de um transeunte. A vida assim me marcou, tudo porque, um dia, ousei vivê-la.
Eu, Ari e Fernando em 2012
Deixo agora as abstrações de lado para relatar, enquanto ainda tenho disposição e ensejos, uma viagem pelo extremo norte do querido Paraná, Estado natal de minha progenitora, de meus avôs maternos e de muitos outros nobres conhecidos. Estava eu, dois meses antes, engajado pelo desbravamento do Tocantins, só, mas a ideia de dois velhos amigos de irmos juntos a Foz do Iguaçu me exortou a postergar tal empreitada. É difícil encontrar companhia para longas viagens. Portanto, não pude deixar de acompanhar Ari Fernando Borsetti Junior e Fernando Santarrossa, este último acompanhado de Rosemeire Carmo, sua noiva. Além da cumplicidade do grupo na estrada, o que é importante em viagens deste porte, seria uma forma de rememorarmos a primeira viagem de motocicleta que fizemos juntos, em outubro de 2010, para a querida Poços de Caldas, em Minas Gerais. De lá para cá muitas águas passaram pelo moinho. Praticamente teríamos que nos conhecer novamente – tenho medo de usar o verbo “reconhecer” e ser mal compreendido – em um pano de fundo totalmente diferente e bem mais desafiador. Afinal, para Poços foram somente 180km; para Foz seriam 1100.

Retratos do passado. Eu, Ari e Fernando em  Poços de Caldas/MG, 2010

Ponte sobre o rio Paranapanema
O ponto de encontro para a saída: a residência de Fernando, em Sumaré. Após uma breve querela sobre a rota a ser seguida, partimos, pouco antes das 8 da manhã, pela Rodovia dos Bandeirantes, já fastidiosa, e acessamos a Santos Dummont, no curso da qual se avista o aeroporto de Viracopos. Por esta rodovia seguimos rumo a Sorocaba, adentrando, antes do perímetro urbano propriamente dito, a Castello Branco. As poucas emoções desta imensa rodovia, praticamente retilínea em toda a sua extensão, ficaram por conta da Torre de Pedra e da Serra de Botucatu, que devido à falta de locais de parada não pudemos fotografar. Findado o curso da Castello, seguimos as placas indicativas para Ourinhos. Do trevo desta cidade localizamos a Raposo Tavares, na qual seguimos até o município de Assis. As indicações nos enviesaram pela Miguel Jubran até a divisa de Estados São Paulo/Paraná. O rio Paranapanema, que naturalmente demarca a divisa, foi alvo de nossa admiração. Largo, volumoso e com suas margens repletas de moluscos, foi insistentemente fotografado, bem como a ponte de 500m que o transpassa.
Campo Mourão/PR
Estávamos no Paraná. Dali em diante a tônica seriam as plantações de soja e milho, pouca vegetação fechada e uma temperatura que beirava os 40 graus. Transpomos uma ponte sobre o rio Tibagi, imponente como o Paranapanema, e passamos pelos entornos de Londrina, alcançando o município de Cambé. Pouco tempo depois chegávamos a Sarandi, de onde acessamos um anel viário, sentido Cascavel, evitando adentrar a grande Maringá. Em cerca de uma hora avistamos Campo Mourão, e nela decidimos pernoitar, visto que havíamos pilotado por 700km até então. Mediante informações de alguns cidadãos campomourenses que interpelamos, encontramos pouso barato nas imediações da praça central da cidade. Um belo chafariz, jorrando água pela boca de cisnes sobre musas de pedra, defronte a Igreja Matriz, foi a última visão do dia. No dia 04, logo pela manhã, terminaríamos o trajeto. Restavam ainda 400km para alcançarmos o destino pretendido.

Matriz de Campo Mourão

Caminhão paraguaio já próximo a Foz
O dia 04 amanheceu tórrido como seu antecessor. Pensávamos que, indo para a região sul, a temperatura média seria mais baixa. Contudo, não contávamos que também penderíamos para o oeste, onde o clima é mais úmido e quente. Fustigados pelo esplendor causticante do astro rei, contornamos o anel viário de Campo Mourão rumo a Cascavel. A paisagem, soja e milho contrastando com casas antigas quase camufladas nos campos, entediou-nos pelos 180km até o conturbado trevo de Cascavel, no qual emoções perigosas não são raras. Vencido o trevo, cruzamos o rio Cascavel rumo a Foz do Iguaçu e a Tríplice Fronteira, tendo o Parque Nacional de Iguaçu ao lado esquerdo da estrada até o município de Céu Azul. Por volta das 13h chegávamos ao nosso objetivo. Guiados por um motociclista a serviço do Turismo de Foz, fomos levados ao que seria nosso QG por duas noites. Ainda tínhamos o período vespertino para desfrutar dos atrativos às margens do Iguaçu, e tratamos de aproveitá-lo.
Ponte Tancredo Neves
Foz do Iguaçu é uma cidade com 260 mil habitantes, contornada pelo rio Iguaçu, que naturalmente demarca a fronteira Brasil/Argentina, e pelo rio Paraná, na fronteira Brasil/Paraguai. Fernando, que visitara a cidade nos anos 80, ficou impressionado com o crescimento do município. Segundo ele, naquela época vislumbrava-se no centro da cidade apenas um único prédio, pertencente a um suntuoso hotel. Esse prédio ainda existe, mas muitos outros brotaram em seus arredores. Passamos por eles quando nos dirigíamos, agora em uma perua, para a Argentina, mais precisamente à cidade de Puerto Iguazu, logo após a fronteira. Dissuadiram-nos da ideia de atravessar a aduana de moto, afirmando ser perigoso demais. Motocicletas são roubadas, principalmente de brasileiros, e vendidas por preços irrisórios no Paraguai e na Argentina. Temerosos, optamos por acompanhar um pessoal que já alugara transporte para atravessar para o lado argentino, via ponte Tancredo Neves, popularmente conhecida como Ponte da Fraternidade.


Puerto Iguazu
Em Puerto Iguazu tudo gira em torno da gastronomia, com exceção do Free Shop, como os de aeroportos internacionais, pouco antes da aduana argentina. As simples ruas estão repletas de pequenos estabelecimentos de iguarias alimentícias, como azeitona, salame e queijo. Bebidas, notadamente cerveja e vinho, ambos de origem argentina, também são comercializadas. O forte calor era convidativo para líquidos gelados, e nos dispusemos a prová-los. Saciada a sede, perambulamos pelas pouco movimentadas ruas. Algumas lojas com artigos de couro, uma danceteria com a foto de Che Guevara com fones de ouvido, lojas de roupas: nada além disso. Por falar em Che Guevara, parece-me que o comunista argentino é muito querido por seu povo, bem como Diego Armando Maradona. Cheguei a fotografar uma gravura de ambos, juntos, em um carrinho de lanches sobre uma encruzilhada. Eu almejava ver algo mais natural, bem como os meus companheiros, e ali não mataríamos esta vontade. Precisávamos ver as Cataratas. Contudo, o dia ensaiava sua retirada. De volta a Foz, a única alternativa era repousar.
Ciudad del Este
No dia 05, logo pela manhã, o sempre imponente sol raiava forte, enegrecendo-me ainda mais. Fomos instruídos pelo condutor da perua que nos levara a Argentina no dia anterior, o senhor José Maria Benitez, a não visitarmos as Cataratas do Iguaçu pela manhã, devido a posição do sol. Com a lacuna do período matutino, embarcamos novamente em uma perua, agora com sentido a Ciudad del Este, no Paraguai. Em poucos minutos cruzávamos a Ponte da Amizade, sobre o rio Paraná, e o caos da inteiramente comercial cidade paraguaia principiou a nos estarrecer. Como uma 25 de Março, em São Paulo, potencializada pelo trânsito ininterrupto de motoboys brasileiros, argentinos e paraguaios, e também pelo vai-e-vem incessante de transeuntes de várias nacionalidades buscando única e exclusivamente a compra de materiais diversos, mas principalmente eletrônicos. O preço dos objetos é convidativo. Não é à toa que muitos comerciantes se dirigem a esta cidade para comprar e revender em seus próprios negócios. A fiscalização da Aduana Paraguaia é praticamente inexistente, o que contribuiu para o trânsito de mercadorias acima de 500 dólares – que teoricamente é o limite de valores sem a cobrança de impostos – livremente. Após uma volta pelos shoppings locais, seguimos a pé até a Ponte da Amizade para fotografá-la. Uma ilha, a que chamam Ilha da Sogra, divide o fluxo de água do rio Paraná em dois, para depois juntá-lo novamente. Apenas reforçando, vale dizer que o este rio demarca a naturalmente a fronteira Brasil/Paraguai neste ponto.

Ponte da Amizade. Deste lado, o Paraguai. Do outro, o Brasil

Parque Nacional do Iguaçu
Deixamos o Paraguai, sempre acompanhados por José Maria Benitez, perto das 13h. Incontinenti partimos rumo as Cataratas do Iguaçu, atração principal do Parque Nacional do Iguaçu e uma das recém votadas sete maravilhas mundiais da natureza. A entrada, caracterizada por tijolos à vista, uma piscina com revestimento multicolorido e três tremulantes flâmulas (a do Estado do Paraná, a do Brasil e a da World Heritage, da UNESCO), abrigam a bilheteria que disponibiliza, por R$24,10, os ingressos necessários para o ingresso no parque. Após o pagamento, fomos direcionados a uma plataforma de embarque na qual se dependuram alguns belos quadros com fotografias das cataratas, fauna e flora do parque. Há ali um belo quadro de um carcará. Aguardamos cinco minutos pelo ônibus, daqueles ao estilo inglês, de dois andares e com o teto semiconversível, que nos levou por 6km rumo ao primeiro mirante das cataratas. Todo o nosso esforço, todo o dinheiro pago aos abusivos pedágios e toda a nossa perseverança em conhecer tudo via terrestre, contrariando o que seria mais confortável, como o avião, passaria a ser recompensado deste instante em diante.
As Cataratas do Iguaçu
Infelizmente meu escasso vocabulário não é suficiente para descrever a magnanimidade das Cataratas do Iguaçu. São mais de 100 quedas, que variam de 40 a 80 metros de altura, jorrando água que, em forma de degraus e com a ajuda da gravidade, dão continuidade ao curso do rio Iguaçu. Por mais de um quilômetro, entre trilhas bem ladeadas beirando o rio e passarelas próximas às quedas, vários visuais das cascatas são possíveis, desde que se tenha paciência de esperar os turistas de várias nacionalidades que se alternam para registrar fotografias com as imponentes cachoeiras ao fundo. Pela ação humana e por toda a estrutura montada com intuito de tornar este um ambiente turístico e digno de ser preservado, as Cataratas do Iguaçu ganharam fama internacional e o título de uma das sete maravilhas da natureza, como já salientado. Tecnicamente falando, e é importando que seja dito para que as pessoas realmente saibam o que estão vendo e não somente tirem fotos para adornar suas vidas paralelas nas redes sociais, vários estudos, inclusive alguns estampados nos quadros informativos do parque, indicam que as cataratas foram – e vem sendo – formadas há 150 milhões de anos. A ação inexorável da água sobre a rocha basáltica formou um cânion, em alguns lugares em degraus, 21km antes de desembocar no nono maior rio em volume do mundo: o Paraná.

A Garganta do Diabo

Gralhas-picaças
A mata atlântica do Parque Nacional do Iguaçu também é de se admirar. Tenho dificuldades para gravar os nomes de nossa flora, e portanto não me atreverei a discorrer sobre ela. Contudo, a fauna, principalmente a avifauna, é uma de minhas grandes paixões. No caminho para a Garganta do Diabo (ponto derradeiro da trilha a pé, em que o cânion é mais estreito no qual as cataratas caem em forma de ferradura, com muita turbulência) visualizei e fotografei quatis aos bandos, macacos, teiús e um casal de gralhas-picaças, que desassustadamente se deixaram registrar, apesar de seus característicos olhos amarelos arregalados. José Maria Benitez assegurou ter visto, em suas mais de 400 visitas às cataratas, cobras de variadas espécies em meio à trilha (insisto em chamar de trilha um caminho acimentado e margeado por corrimões). Não é de se espantar: mesmo com a estrutura montada nos arredores das quedas do Iguaçu, como restaurantes, um hotel de luxo, elevadores, mirantes suspensos e passarelas sobre as águas, a mata atlântica permanece relativamente densa.
Marco das 3 Fronteiras
As cataratas, neste ponto, demarcam a fronteira Brasil/Argentina. Do lado brasileiro, onde estávamos, era possível visualizar as passarelas do lado argentino. Foi pensando em ir ao outro lado, para ter uma visão diferenciada das quedas, que deixei, juntamente com os meus camaradas, o Parque Nacional de Iguaçu. Contudo, já se passavam das 17h, e o parque encerrava suas atividades no dia. Retornamos ao local de pouso, mas simplesmente não pude ver o tempo passar sabendo que poderia aproveitá-lo melhor, conhecendo outros atrativos da cidade de Foz. Agora em uma aventura solo (meus companheiros, exaustos, ficaram repousando), saí com minha motocicleta em direção ao Marco das Três Fronteiras, local em que o rio Iguaçu desemboca no rio Paraná. O marco nada mais é que uma pirâmide alongada pintada com as cores do Brasil. A partir deste marco vê-se a Argentina, à esquerda, com seu marco com as cores branca e azul; e à direita o Paraguai e seu marco com as cores azul, branca e vermelha. Aqui o nome Tríplice Fronteira é caracterizado: três países, “fronteirizando-se” entre si com a ajuda de dois rios.

Aqui, o Brasil. À esquerda, a Argentina. À direita, o Paraguai

Mesquita em Foz
Para finalizar o dia, atravessei para o lado oeste da cidade, sentido Paraguai, e localizei uma mesquita muçulmana (qualquer pleonasmo aqui é perdoável). Foi o primeiro templo islamita que tive o prazer de conhecer. Posteriormente descobri que Foz tem a maior concentração de islamitas do Brasil. Infelizmente não pude fotografar a parte interna, mas somente o fato de parecer estar em outro mundo, em outra cultura, muito me alegrou. Tudo é escrito em árabe nos domínios da mesquita. Conheci neste local um peruano, chamado Jose Martin, que me perguntou se porventura eu era muçulmano (nosso guia me dissera, no caminho para as cataratas, que eu tinha traços libaneses). Segundo ele, minha barba e a cor de minha pele me davam feições árabes. Neguei o que parecia óbvio para ele e caímos na gargalhada. Trocamos alguns informações sobre a cidade e ele me convenceu a visitar também um templo budista, a cerca de 20 minutos da mesquita. Despedimo-nos e para este objetivo parti. Para o meu azar, o templo estava fechado. O horário de visitação terminara há 3 horas. Voltei ao pouso, agora para ficar.
Itaipu Binacional: entrada
No dia 06 principiaríamos o regresso. Contudo, antes de enfrentar os 1100km de fastidiosas estradas, optamos por conhecer Itaipu Binacional, a maior hidrelétrica do mundo em produção de energia e considerada uma das sete maravilhas do mundo moderno. Ao nome Itaipu (pedra que canta, em tupi-guarani) é acrescido o Binacional por ser uma usina construída na divisa entre o Brasil e o Paraguai, com águas represadas do rio Paraná, e portanto propriedade de ambos os países, que também dividem igualmente a energia gerada pelas vinte brancas turbinas de 10 metros de diâmetro. O Paraguai, no entanto, utiliza apenas 8% de sua cota, revendendo o restante ao próprio Brasil. O sistema turístico de Itaipu é parecido com o das Cataratas do Iguaçu: paga-se uma quantia na entrada, que pode variar de acordo com o passeio: interno, panorâmico ou noturno. Escolhemos o panorâmico, visto que o interno, ou especial, necessitava de agendamento prévio. Pagamos R$20,10, assistimos a um vídeo, que mostrou fatos históricos, projetos e dados de Itaipu, e embarcamos em um ônibus, novamente parecido com o das cataratas. Daqui à frente, puro concreto e ferro.

Mirante do Vertedouro

Hidrelétrica de Itaipu
O ônibus é pilotado vagarosamente pelo emaranhado de ruas internas, oferecendo uma boa vista da usina. Paramos primeiramente no Mirante do Vertedouro, local onde o excesso de água é eliminada de modo a não transbordar o Lago de Itaipu, que nada mais é que a represa que alimenta as turbinas que geram energia. O tamanho da construção impressiona, mas não como ver as turbinas de frente, no segundo mirante. A barragem é tão extensa que mesmo de longe não pude enquadrá-la na câmera, restando-me fotografá-la em partes. Na sequência beiramos as dez turbinas, contornamos pelo lado paraguaio e passamos sobre a barragem de 8km de comprimento, visualizando o Lago de Itaipu à esquerda e a usina à direita, com Foz do Iguaçu e Ciudad del Este ao fundo. Voltamos à entrada do Complexo Turístico de Itaipu e nos preparamos para os muitos quilômetros que teríamos que vencer no difícil ato de regressar. Deixamos uma grande obra de engenharia, que começou a ser construída em 1975, tendo sua última turbina colocada em funcionamento em 2007, gerando energia para toda a Região Sudeste do Brasil.
Cachoeira do rio Mourão
Deixamos Foz do Iguaçu por volta das 13h, com o sol causticante insistindo em nos sacrificar. Decididos a ganhar o máximo possível de terreno, já que sabíamos que não chegaríamos ao destino no mesmo dia, pilotamos lentamente até o município de Juranda, onde fomos surpreendidos por uma chuva de verão. Passada a rápida precipitação, seguimos até Campo Mourão, onde decidimos passar a noite, como acontecera no primeiro dia de viagem. O sol ainda raiava forte. Com pelo menos mais duas horas de luz, sai com minha moto em busca de uma cachoeira, agora acompanhado por Fernando e Ari. Distante cerca de 10km da cidade, o rio Mourão guarda uma cachoeira de sete metros e que, infelizmente, não pudemos acessar pelo Parque Estadual do Lago Azul, que a detém em seus domínios. Conseguimos, eu e Ari, adentrar ilegalmente o Parque a partir da rodovia, por uma trilha e um buraco na cerca que delimita o parque. Obtivemos as coordenadas com um senhor que voltava pela trilha “clandestina” e rapidamente vencemos os 200 metros que nos levaram à cachoeira. Apesar de singela, foi o desfecho natural perfeito para um dia em que víramos apenas asfalto e concreto.
O regresso
O dia 07, dedicado inteiramente à estrada, foi também o mais desgastante de todos. Além dos 700km restantes pra chegarmos a Sumaré, enfrentamos trechos chuvosos na rodovia Castello Branco e até mesmo um pequeno princípio de incêndio na motocicleta de Fernando e Rose. O alforge direito, com o peso, encostou-se no escapamento da moto e se ardeu em chamas, o que foi visto por Ari, que vinha alguns metros atrás. Eu, encabeçando a fila, tive que fazer um retorno ilegal quando notei que meus amigos haviam ficado para trás. Cheguei apenas em tempo de ver boa parte das roupas de Fernando queimando. Ele salvou o que podia. Dividimos a bagagem sem bolsa entre as motos e seguimos viagem, chegando a Sumaré no princípio da noite. Depois de alguns dias na estrada com meus velhos companheiros, era chegada a hora de cada um se dirigir ao seu domicílio e disseminar aos seus conhecidos as impressões que adquiriram nesta que foi uma das viagens mais importantes de nossas vidas. Eu, por meio desta postagem, escancaro as minhas. Teriam eles impressões similares?
Quando todos vão embora e você se vê solitário, mas de uma maneira em que não sente tanto a falta de outras pessoas, tens a noção exata de como o mundo te nutre. Não preciso de companhias inteligentes, falsos messias ou seres levianos discorrendo sobre como a vida deve ser encarada. Preciso ser autossuficiente, expor meu peito ao universo. Essa obstinação em olhar para fora ao invés de olhar para dentro não me qualifica como egoísta ou altruísta, mas como um ser alheio ao senso comum de “ter que ajudar” ou “não ter que ajudar”. A imagem que quero que as pessoas vejam é a de um ávido amante do mundo, sedento por uma glória natural que procuro nos recônditos extensos desse planeta que me possui. A recíproca, aqui, não é verdadeira.


Mais fotos aqui.

E abaixo um blues, baseado em uma composição do Overlost de 2006 e gravado descompromissadamente na casa de Luiz Paulo Blanes, por Levi Vieira, dois dias antes desta viagem. Lembro-me dos momentos musicais com os meus camaradas Ilton Aguari e Newton Norio Nabeta e, portanto, além de dedicá-lo a esta viagem, estendo-o também a esses grandes amigos.