terça-feira, 28 de junho de 2011

Lago de Furnas – de 23 a 26 de junho de 2011


Caminhavam sobre a relva. Eu, absorto em meus pensamentos, recusava-me a tal. Durante longos anos aguardei pelo ensejo de andar sobre estradas pavimentadas, aquelas mesmas que, diziam, levariam a humanidade ao progresso. Hoje, com um motor entre meu corpo e o solo, já não diferencio superfícies. Sobre a relva, o asfalto ou a terra eu vago, e esse vagar, lenta e continuamente, molda o meu destino. Sou um homem de vários povos, relevos e climas. Em síntese, sou aquele que enxerga além das linhas imaginárias dos marcos territoriais. Sou aquele que, como “el chancho”, idealiza um mundo só.
Cachoeira de Emas
Dias antes de quinta-feira, dia 23, recebi um convite do meu irmão Fernando, e também de sua namorada Rose, para passar uns dias em Itamogi/MG. Prontamente o aceitei. Convidei para acompanhar-nos Anna Carolina Oliveira, apelidada de "Bebê", que sem delongas decidiu se unir a nós para mais uma aventura sobre duas rodas. Com certeza estaríamos fadados a pilotar por 250km de estradas monótonas caso decidíssemos utilizar as rodovias convencionais. Porém, como aprendizes aplicados da arte de estudar mapas rodoviários pouco ortodoxos, tratamos de traçar, logicamente, uma rota por estradas secundárias e vicinais que parecia prometer belas paisagens. Portanto, todos os lugares pelos quais transitamos, garbosos ou não, não deixam de ser recônditos dignos de uma visita mais minuciosa num futuro próximo.
Santo Antônio da Alegria
Deixamos Americana pela Via Anhanguera e viramos à direita na derradeira entrada de Pirassununga. Poucos quilômetros depois e estávamos em Cachoeira de Emas, distrito que é “cortado” pelo rio Mogi e famoso pelos restaurantes especializados em peixes. A neblina densa deu um efeito estranho às fotografias, mas uma xícara de café animou os espíritos e prosseguimos sem pressa, como de costume. Passamos pela entrada de Santa Cruz das Palmeiras e pendemos para Tambaú, chegando poucos minutos depois à Santa Rosa do Viterbo. Cajuru foi a próxima parada, na qual abastecemos as “poderosas” para alcançarmos Cássia dos Coqueiros, cidade minúscula e aparentemente bem devota a alguma Nossa Senhora, dada a pompa de seu portal. Uma estrada absolutamente bela, daquelas que se deve apreciar bem lentamente, nos levou à Santo Antônio da Alegria, cidade protegida pela Serra do Baú, três monumentais montanhas que preenchem todos os cantos dos olhos. Quilômetros depois e já estávamos em Minas Gerais. Itamogi, a primeira cidade do Estado por esta via, recepcionou-nos calmamente às 13h. Era chegada a hora de acomodarmos a bagagem, almoçarmos e, o mais importante, caminharmos. Conhecer é preciso.

Serra do Baú

Itamogi
Itamogi tem uma população de aproximadamente 12 mil habitantes. Em seus entornos prevalece o cultivo do café. A grafia correta seria Itamoji, por ser uma palavra de origem indígena, mas nas placas dos automóveis o G é mantido. Mesmo na antiga estação ferroviária há evidências de que antigamente o J era empregado. Controvérsias à parte, desbravamos a praça central e seus arredores, além da já mencionada estação. Em um fim de rua, que pode passar despercebido por muitos moradores, paramos para observar o pôr-do-sol. Na caminhada noturna retornamos à praça e fotografamos a bem iluminada igreja. Cansados, resolvemos dormir, pois eu e “Bebê” já havíamos decidido: partiríamos dali na manhã seguinte em direção à Furnas, dada a proximidade entre os locais.
Rio Grande
Na manhã de 24 de junho nos despedimos de Fernando e Rose e partimos de Itamogi. Em São Sebastião do Paraíso adentramos a MG-050 e pagamos o preço por isso: três pedágios. Passamos por Itaú de Minas e chegamos à Passos. Sabendo que o curso do Rio Grande adorna seus limites, entre as represas de Peixoto e Furnas, optei por atravessá-lo, por mera curiosidade de minha parte. É a terceira vez que o encontro. Meu relacionamento com esse rio é cármico. Por um momento fiquei em dúvida: ali começava a Serra da Canastra. Vou para Furnas ou sigo em frente? Mantendo o plano original, voltamos pela ponte e entramos numa estrada de terra em meio aos canaviais para novamente cair na MG-050. Em poucos minutos estávamos nas corredeiras de Furnas contemplando a grandiloquente hidrelétrica.

As corredeiras de Furnas

Hidrelétrica de Furnas
A vista impressiona. A Hidrelétrica de Furnas, que começou a ser construída em 1958, foi idealizada no curso médio do Rio Grande para suprir as demandas energéticas do país na época. Em 1963 foi posta para funcionar. Seu reservatório de água, hoje conhecido como Lago de Furnas, em referência à empresa responsável pela obra, é quatro vezes maior que a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, ocupando 1440km² de solo mineiro com águas represadas dos rios Grande e Sapucaí. Tudo isso lhe rendeu a denominação Mar de Minas e a figuração entre os maiores lagos artificiais do mundo. Fotografamos a obra de todos os ângulos possíveis, inclusive os cânions e uma pequena cachoeira ao lado das imensas comportas.
Rampa de voo em Pimenta
MG-050 novamente. Daqui em diante tem-se a impressão de pilotar à beira-mar, como na BR-101. Em Capitólio, primeira cidade após a hidrelétrica, procuramos um hotel para nos hospedarmos, mas as tarifas exorbitantes e a falta de vagas nos obrigou a seguir até Pimenta, menos badalada e com preços mais acessíveis. A cidade, bem ao norte de Furnas, oferece altas serras e cachoeiras. Visitamos uma montanha que serve de rampa para voo livre e de onde se tem uma vista privilegiada da região. O lago nesta cidade não é tão vistoso quanto em Capitólio, mas no sábado, quando nos dirigíamos à Guapé por uma estrada de terra de 50km, conhecemos Santo Hilário, onde as águas mais uma vez lembraram o mar.

Santo Hilário

Ponte entre Pimenta e Guapé
A estrada Pimenta-Guapé é uma ótima pedida para quem gosta de aves. São várias espécies de falconídeos, corujas e pequenos pássaros aterrissando nas copas das árvores a todo instante. A mata em alguns momentos é bem fechada, e em outros, nas entradas das fazendas, nem tanto. A ponte é uma atração à parte. A água aqui chega a ser de um verde translúcido único. É uma das poucas estradas de Furnas que não necessita de balsa para travessias. Levamos aproximadamente duas horas para vencê-la por completo, momento em que chegamos a uma outra estrada, esta asfaltada, que nos levou a Guapé, cidade que, na época da inundação, em 1963, foi praticamente toda submersa, sendo reconstruída mais tarde em sua parte mais alta.
Cachoeira do Paredão
O Parque Ecológico do Paredão, em Guapé, foi o ponto alto da viagem. Em meio a dois paredões, várias quedas d'água fazem caminho. O volume das cascatas impressiona, bem como a transparência da água nas piscinas naturais que se formam. Achei curioso o fato de gramíneas florescerem nos lugares onde a água da cachoeira escorre com menor fluxo. É um fenômeno que, até hoje, testemunhei apenas neste local. Estas plantas crescem praticamente na horizontal, brotando da verticalidade das pedras que servem de escora para a água da cascata. Outro fato curioso: enquanto eu fotografava a Cachoeira do Paredão, sobre uma pedra, visualizei uma aranha armadeira a poucos centímetros do meu pé. Abaixei-me para fotografar o belo espécime, mas não fui sutil o bastante. O aracnídeo debandou, assustado, e encontrou guarida em meio às rochas.

Parque Ecológico do Paredão

Girassóis e Furnas
Deixamos Guapé por volta das 14h, não sem antes conhecer a Cachoeira do Macuco. Voltamos um tanto e tomamos direção à Ilicínea sem saber o que lá fazer. Paramos em um posto de combustível para estudar o mapa e recebemos uma dica do dono do restaurante anexo. Ele nos exortou a seguir à Carmo do Rio Claro, cidade, segundo ele, com bons atrativos e hotéis baratos (no fim das contas ele tinha razão). Seguindo conselho alheio, o que é bem raro, partimos para Carmo do Rio Claro, adentrando mais uma estrada de terra de 50km. As obras nesta rodovia, que em breve será pavimentada, tornaram a travessia lenta e monótona, mas em alguns momentos fomos agraciados com belas paisagens e com a passagem pela Ponte Torta. Após duas horas estávamos em Carmo do Rio Claro, não sem antes pararmos em uma plantação de girassóis à beira da estrada.
Carmo do Rio Claro
Carmo do Rio Claro não é uma cidade imponente. Suas construções são modestas. Não se encontram aqui grandes prédios ou mansões suntuosas. Acredito ter gostado muito de lá devido a esses fatores. Logo ao chegarmos nos impressionamos com a Serra da Tormenta, que parece proteger a cidade com sua marcante presença no horizonte. Subimos seus 1287m até certo ponto, pois o pneu dianteiro da moto perdia contato com o solo ocasionalmente, dada a inclinação da serra. Temeroso, optei por deixar “Bebê” e seguir sozinho até o topo. Ela chegou a pé algum tempo depois, mas foi recompensada com a visão: clarão vermelho, a cidade iluminada e a represa de Furnas ao fundo. Um cenário perfeito para o término de um dia bem empoeirado.

O último pôr-do-sol antes do regresso, na Serra da Tormenta

Hasta Luego, Furnas
No domingo, após dormirmos em uma pousada barata, principiamos o regressar. Passamos por Alterosa e Areado, cidades que eu sempre tive ganas de conhecer, mas a neblina densa me negou esse direito. Fizemos uma rápida parada em Muzambinho, prosseguindo depois por Guaxupé. Já no estado de São Paulo cruzamos Tapiratiba e São José do Rio Pardo. Daí até Mogi Mirim o caminho já era conhecido, transcorrendo sem grandes surpresas. Chegamos em casa por volta das 13:30h, pouco antes de a chuva começar a cair em Americana. Parece que, dessa vez, e depois de 1300km rodados, demos sorte.
Que eu tenha vontade de ir para lá ou para cá. Que eu faça uso da jactância benigna que falta em muita gente. Bato no peito e me orgulho de ser assim: um espírito liberto. “Amanhã... ou depois... tanto faz... se depois for nunca mais”. O aqui, o presente, o agora, não há de ser – e não tem que ser – um degrau para se alcançar um patamar mais elevado. O liberalismo e seu filho pródigo, o capitalismo, nos ensinam a sempre conquistar algo mais, caso contrário seremos “ferozmente devorados” pelo sistema. Eu, em minhas errôneas e empíricas filosofias, prefiro, ao invés de crescer o tempo todo, apequenar-me, sentir-me um minúsculo inseto dentro desse mundo que, contraditoriamente, parece caber em mim. Reitero: sou uma marionete. Que o planeta azul mexa suas cordas e me leve para onde bem entender.


Mais fotos aqui.

E abaixo, um blues composto para Furnas, o Mar de Minas.

3 comentários:

  1. Muito bonito o lugar ein Marcão
    mandou bem no violão ein
    nem sabia que sabia toca bem
    HEIOEHIOHIEOHIOEHIOE

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  2. Olá Marcos, achei lindas as fotos, gostei ainda mais do texto, viajei em cada palavra...e o blues então, muito legal! gostei mesmo...até mais...

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  3. Parabéns pelo blog! Faz qualquer um viajar com seus relatos e fotos...
    Quanto ao que você escreveu: "Bato no peito e me orgulho de ser assim: um espírito liberto. “Amanhã... ou depois... tanto faz... se depois for nunca mais”." que você sinta cada vez mais orgulho de ser exatamente como é, sendo feliz, a cada dia, à sua maneira.

    Beijos!

    Ah! Eu te disse que tinha boa memória...

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