terça-feira, 31 de março de 2015

Bueno Brandão – 13 e 14 de setembro de 2014


Dando procedência ao “duo” Sul de Minas, Quintal de Minha Casa, será relatada nos próximos parágrafos uma curta viagem motociclística pelo território de uma cidade que, de tão íntima, não deveria ser exposta de forma pragmática, o que habitualmente ocorre nesse espaço. Entretanto, seria uma falta muito grave deixar de expor todas as belezas desse pequeno rincão mineiro, colado a São Paulo, omitindo informações importantes para outros viajantes que porventura passarem por aquelas bandas. Segue abaixo, então, o máximo de cachoeiras e paisagens que consegui registrar em dois dias incompletos, maravilhas que nem mesmo a estiagem prolongada de 2014-2015 é capaz de ressequir.
Sítio do Sossego
Partimos de Americana, Rodrigo Gil, Luana Romero e eu na manhã do dia 13 de setembro. Foram meros 170km de rodovias asfaltadas, passando por Engenheiro Coelho, Mogi-Mirim e Lindóia. Chegando em Socorro, a última cidade do Estado de São Paulo em nossa rota, rumamos sentido nordeste, acompanhando o sinuoso traçado da Serra do Bom Jardim e dos cafezais plantados em suas encostas. Quinze quilômetros após o centro de Socorro adentrávamos o querido Estado de Minas Gerais, já em território bueno-brandense. Sítios despontavam aqui e acolá, muitos camuflados nos contornos da serra e outros “ombro a ombro” com o asfalto da vicinal Bueno Brandão-Socorro, que há pouco sequer gozava de pavimentação. Atravessando a porteira escancarada de um desses, o do “sêo” Brás, um indivíduo bem conhecido localmente, montamos acampamento, livrando-nos do excesso de bagagem de modo que pudéssemos perambular livremente pelas estradas rurais da cidade que, no que se refere ao seu centro urbano, ainda não víramos. Por ter registrado em outras oportunidades o Sítio do Sossego, ou Camping do Sossego, não perdemos tempo algum em fotografar as belezas desse pedaço de chão distante cerca de 5km da cidade, acessível a partir da vicinal supramencionada. Meros 300m de estrada de chão batida e a casinha alva e azul, de feições coloniais, entornada por uma pequena represa, um lago e uma pastagem pontilhada por araucárias, onde poucos bovinos ruminam, se distingue no sopé da serra, convidando a uma parada de poucos minutos ou de alguns dias, conforme a necessidade do andejo.
Cachoeira do Machado II
A primeira cachoeira em nossa rota foi um revés. A do Machado II, acessível por uma estrada rural levemente aclivada de meros 600m a 7km a sudoeste do sítio do “sêo” Brás, voltando para Socorro pela mesma vicinal pela qual viéramos, jazia morbidamente seca. Por estar em uma propriedade privada, é cobrada uma taxa por cabeça, mas o proprietário, devido ao estado da cachoeira, permitiu nosso acesso sem a cobrança. Uma curta trilha por uma roça, mangueiras e goiabeiras e um paredão granítico se apresentou. Uma “baba” escorria timidamente por 70 metros até o fundo do vale. É (ou seria) a maior queda d'água de Bueno Brandão, e também foi nossa copiosa decepção. A escassez de chuvas aqui, nas nascentes da Mantiqueira e de outras pequenas serras do sul mineiro, é um dos profícuos causadores da baixa dos reservatórios do nordeste paulista, visto que praticamente todos os rios e ribeirões nascidos nesses píncaros correm para o Estado de São Paulo. Se não chove aqui, falta água lá, e belezas naturais como a cachoeira do Machado II deixam de entusiasmar seus admiradores. O desprazer foi tanto que a Machado I, no curso do mesmo ribeirão mas no lado oeste da vicinal, propositadamente deixamos de conhecer. Preferimos, na ocasião, rumar para o leste, subindo de vez a Serra da Boa vista até outra famosa cachoeira, a dos Félix, com 40 metros de queda e um volume ligeiramente maior que a anterior, mas infelizmente “desfigurada” pela existência de uma pousada nas cercanias de sua cabeceira.


Cachoeira dos Félix

Cachoeira do Davi
Contumazes na caça de cachoeiras, continuamos para o leste por mais 1km, enviesando-nos, em seguida, para o sudeste. Casebres de sítios abandonados, fato corriqueiro no sul mineiro, despontavam em intervalos irregulares até a chegada em definitivo à cachoeira do Davi, distante apenas 4km da dos Félix. Cai de 10m por um cânion estreito de blocos graníticos. A água, afunilada, corre por algumas dezenas de centímetros e se abre em um poço de 5 metros de diâmetro. Logo após tem seu caminho natural retraído novamente até escorrer irreversivelmente em uma segunda queda, menos portentosa quando comparada à primeira. É um espetáculo gratuito, à beira da estrada e hidricamente volumoso, antagônico às cachoeiras previamente visitadas, o que por ora nos exortou a seguir tocando para o sudeste, onde os efeitos da estiagem pareciam menos evidentes. Ledo engano. Na cachoeira do Cascavel, um quilômetro depois, a falta d'água voltou a ser a regra, tornando a do Davi a exceção. Foi triste verificar mais um paredão natural, esse com 30 metros, sofria sua secura sazonal. Por outro lado, é envolto por uma densa mata atlântica, o que amenizou e muito o calor fustigante que enfrentamos ao atravessar a pastagem no princípio da trilha, à beira da estrada, onde deixamos as motos 800m atrás.

Cachoeira do Davi e seu estreito cânion



Cachoeira do Cascavel

Cachoeira dos Luís
Eram passadas 16h e, portanto, ainda havia tempo hábil para conhecermos pelo menos mais uma cachoeira. Acontece que a mais próxima dali estava a 12km para o sudeste. As estradas, com em todas as zonas rurais de nosso Brasil, eram incertas. Felizmente, enquanto avançávamos, quilômetro a quilômetro testemunhávamos o zelo com o qual são mantidas as vias de chão de Bueno Brandão, o que nos possibilitou passar muito velozmente pelo Bairro da Cachoeirinha e chegar à propriedade privada, onde também funciona um restaurante e um criadouro de avestruzes, em que está localizada a cachoeira dos Luís. Dentre todas do município, é a mais curiosa. O ribeirão Cachoeirinha se biparte em sua cabeceira, formando duas cachoeiras distintas, diferentes em largura e volume d'água. No horário em questão, uma estava totalmente abrigada da luz solar; a outra luzia com afinco. São como gêmeos vivitelinos, concebidos juntos, mas dessemelhantes. Uma ilhota repleta de arbustos faz literalmente a vez de divisor de águas por cerca de 30m, altura oficial da queda. Lembro-me de ter visto diversas fotos desse atrativo durante a confecção da rota, e em todas elas a água descia com vigor por esses paredões com 45º de inclinação. No momento, tínhamos escassez. Por ser a última visão de um sábado quente e seco, bastou. Voltamos para o acampamento e, sob as araucárias do Sítio do Sossego, repousamos para retomar a empreitada no domingo.

Duas quedas distintas do mesmo ribeirão

Cair da noite em Bueno Brandão

Curral em Boa Vista dos Barbosas
Muito pouco se conhece na região norte de Bueno Brandão. Sabíamos, contudo, a localização de uma de suas cachoeiras. Por isso reservamos a primeira parte da manhã para conhecê-la. Erguemos acampamento, despedimo-nos de “sêo” Brás, passamos rapidamente pelas poucas construções da área urbana do município e aceleramos pela MG-295, para o norte, sentido Inconfidentes. Após 5km, a partir da Matriz, deixamos o asfalto e aceleramos por uma estrada de terra pedregosa sentido nordeste. Quatro quilômetros depois alcançávamos o bairro rural Boa Vista dos Barbosas. Uma moradora nos deu as coordenadas que faltavam ao meu mapa e, adentrando mais um dos pastos íngremes de Bueno Brandão por um curral, encontramos a tímida cachoeira homônima ao bairro no fundo de um vale, guarnecida por uma estreita camada de mata de galeria com exemplares de grandes bromélias. Seria redundante mencionar que pelos 11 metros da queda principal, bem como pelas outras quedas menores ao longo do riacho, pouca água vertia. Todo bom motociclista sabe que a estiagem é esperada entre maio e setembro, mas nem os mais pessimistas criam ser essa a pior das últimas décadas, a que desencadearia, em uníssono com a má gestão do governo de São Paulo, a maior crise hídrica da história. Queria estar eu sendo assolado por chuvas pesadas da “estiagem” do ano passado, quando estive em Iguape e Cananéia, no litoral sul de São Paulo (link), para poder registrar o líquido da vida descendo com vigor pelos acidentes geográficos do sul mineiro.



Cachoeira Boa Vista dos Barbosas

Cachoeira do Mergulho
Menos lamentações, mais cachoeiras. Voltando para o centro urbano de Bueno Brandão, localizamos uma saída ao sul, de chão novamente, e pendendo para o sudeste, numa região altamente desmatada pela criação de gado, calhamos em uma choupana abandonada 10km a partir da Matriz, à beira da estrada, de onde aparentemente se iniciava uma trilha para o fundo de um vale de mata de galeria. Segundo meu mapa, tratava-se da cachoeira do Mergulho. Descendo essa trilha incrivelmente bem aberta, topamos com o atrativo natural, uma queda de 10 metros com boa quantidade de água, um grande poço natural e muita sombra. É, por conseguinte, talvez a mais convidativa para um banho e, ademais, o melhor ponto a ser visitado num raio de dois quilômetros. Digo isso porque ao norte da cachoeira há um cânion, o do Esmeril, que em nossos devaneios parecia promissor. Porém, ao chegarmos lá constatamos ser uma pedreira desativada. A estradinha de pedras que nos conduziu até ela, precária e repleta de engodos, não valeram o sacrifício. Como sempre digo, para desgostar é preciso primeiramente conhecer. Conhecimento gera convicção. Idealismo gera divagação.

Cachoeira do Mergulho

"Cânion" do Esmeril

Pedreira desativada

Cachoeira Santa Rita
Na reta final de nossa aventura pela zona rural de Bueno Brandão, rumamos para o sul e passamos pela derradeira cachoeira da rota, distante 10km do cânion do Esmeril: a do Vale dos Avestruzes. É, indubitavelmente, a mais turística dentre todas. Muita gente a conhece pelo nome Santa Rita. O que estão intentando, na verdade, é modificar esse nome para o da fazenda que a detém. Não vimos, mas certamente há uma criação de avestruzes em seus domínios. A cachoeira dos Luís, registrada no primeiro dia e bem próxima dali, tem seu criadouro, o que deve ter dado origem ao nome do vale. O que sabíamos, no momento, é que a cachoeira, larga e linda, por sinal, despejava muita água do alto de seus 40m. Como nada é perfeito, para aumentarem o diâmetro do poço, permitindo que turistas tenham mais área para se banharem, foi feita uma barricada de sacaria, uma barragem artificial que represa toda essa água. Com certeza é uma obra levada a cabo com os R$3 por cabeça cobrados na sede da fazenda.
Encerrava-se ali nossa estadia em Bueno Brandão. Deixamos muitas cachoeiras para trás, mas não vejo tal fato pelo lado negativo. Deixamos, sim, muitos motivos para voltar, talvez em um período mais favorável às águas. Eu diria que, no geral, fomos capazes de registrar as características mais marcantes desse pequeno e pouco desbravado município do sul mineiro, mais conhecido pelo seu carnaval que por suas riquezas naturais e rurais. E como era de se esperar, ainda sofremos um bocado para dele sair. Do Vale dos Avestruzes até Munhoz, cidade onde reencontraríamos o asfalto após um dia de pura terra e poeira, foram quase 30km em um sobe e desce frenético pelas pequenas serras circundantes à da Bela Vista. De lá para Americana foram mais 170km, 140 para Rodrigo, que ficou por Campinas. Rodamos, ao todo, 470km em dois dias, muitos desses por estradas pelas quais realmente vale a pena rodar, estradas de chão do quintal de nossas casas: o sul mineiro.


Mais fotos aqui.

Abaixo, a reedição de um blues composto para minha primeira viagem de moto para Minas Gerais, em 2011.