Destrinchando caminhos. Escancarando o Brasil. Compondo quimeras e melodias sobre duas rodas.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Pedra Grande de Atibaia – 02 de outubro de 2011
A vida moderna clama por atalhos. O desenvolvimento – leia-se consumismo – depende da presteza logística, viabilizada pela construção de novas rodovias e pela modernização das já existentes. Uma centena de quilômetros, hoje, é facilmente transponível, diferentemente de pouco mais de meio século atrás, tempos em que os meios de locomoção eram tão escassos quanto a quantidade e a qualidade das estradas brasileiras. Porém, toda a comodidade trazida pela sempre crescente malha asfáltica, fruto das políticas desenvolvimentistas desde JK, pode incitar nos mais nostálgicos o anseio de reaver aquele sentimento tão comum aos homens que extraíam da terra e da água estratagemas para garantir a sobrevivência. Em síntese, existem aqueles que almejam sentir esporadicamente a faceta selvagem que o encurtamento de distâncias derrocou.
A beleza das estradas secundárias
Eu, Luiz Paulo e Levi Vieira levaríamos aproximadamente sessenta minutos para chegar ao topo de um dos locais mais visitados do estado de São Paulo: a Pedra Grande, em Atibaia. Entretanto, as bem conhecidas e fastidiosas rodovias que nos direcionariam a ela suscitaram em nossos cernes o desejo de dificultar o trajeto, o que obviamente contraria o senso comum. Agindo desta forma conheceríamos novas estradas, paisagens e distritos isolados do frenesi das vias rápidas e dos centros urbanos adjacentes a elas. Filosoficamente falando, palmilharíamos caminhos desconhecidos ou ignorados pela grande maioria dos que se dizem bípedes conscientes. Estaríamos inseridos deliberadamente em ambientes pouco explorados, e não apenas naqueles em que a linearidade dos projetos das estradas do progresso nos permite estar.
Estrada Velha Valinhos-Itatiba
Partimos de Americana às nove e meia da manhã. Decididos a não gastar o nosso irrisório capital com os onerosos pedágios da rodovia Dom Pedro, embrenhamo-nos por Campinas e Valinhos. Por um instante acreditei estar perdido na segunda maior selva de concreto do estado, mas coletamos informações nas ruas o suficiente para que localizássemos a Velha Estrada Valinhos-Itatiba. O clima nostálgico supracitado foi a tônica deste ponto em diante. Poucas construções, cercas rústicas, aromas provenientes da bem preservada vegetação, rochas, pássaros. Em uma das diversas curvas paramos pela primeira vez para algumas fotos. O silêncio, estarrecedor para alguns e pacificador para outros, foi desafiado apenas por um breve ruído das turbinas de um avião que sobrevoava a área. Passado o artefato alado, imperou soberano novamente.
Itatiba-Jarinú
Em Itatiba pelejamos. Não há placas ou qualquer outro indicativo para estradas secundárias. Temos que nos basear e confiar cegamente nas coordenadas de transeuntes. Eu sabia, mediante pesquisa prévia, que uma estrada municipal, de chão, ligava a cidade a Jarinú. Um proprietário de um estabelecimento comercial nos indicou um possível caminho. Contudo, já nele, uma bifurcação suscitou a dúvida: para que lado seguir? Optamos pela via esquerda e, para a perpetuação da Lei de Murphy, demos de cara com a Rodovia Dom Pedro, a mesma que tentávamos a todo custo evitar. Retornamos alguns quilômetros e adentramos a via direita, supostamente a correta.
Morro Azul
Algumas cercas fechadas, boiadas e areais colocaram em cheque o já duvidoso trajeto. A essa altura não tínhamos certeza alguma de onde chegaríamos. Subitamente, um bairro, conhecido como Morro Azul, ainda no município de Itatiba. Após um breve descanso, fotos e mais coleta de informações, seguimos pela continuação da estrada, alcançando, para a nossa satisfação, a cidade de Jarinú. Nela um outro comerciante, vendedor de morangos, pseudofruto típico da região, nos indicou uma estrada municipal, também de terra, que passaria pela Represa da Usina e culminaria no centro de Atibaia, de onde poderíamos rumar à Pedra Grande. Por que não conhecer, então, mais esse atrativo?
Represa da Usina
A Usina Hidrelétrica Bragantina e a Represa de Atibaia, mais conhecida como Represa da Usina, foram gratas surpresas. Cento e cinquenta quilômetros quadrados de águas represadas no curso do Rio Atibaia não passariam despercebidas por três motociclistas fadigados pelos solavancos das irregulares estradas que haviam enfrentado até então. Às sombras das margens, sentados sobre os barcos ociosos, descansamos e discutimos sobre a sequência da aventura. Foi racionalizando que tivemos a ideia de invadir a usina e fotografar sua aparelhagem e estrutura. A barragem, invisível de onde estávamos, somente poderia ser vista do outro lado da usina, o que “justificou” a invasão.
Barragem da Usina Bragantina
Sorrateiramente vencemos os arames farpados. Alguns passos depois já era possível visualizar o tom esverdeado envelhecido de alguns tornos mecânicos, esquecidos ao relento, contrastando com estruturas vermelhas que, acionadas por manivelas e engrenagens, abrem as duas comportas, permitindo a entrada da água da represa. Uma das comportas estava fechada. A vazão na outra era torrencial. Descemos uma escada e chegamos à barragem. Dela em diante a água não é mais represada. O Rio Atibaia, então, naturalmente segue seu curso por entre as pedras. Andando por uma trilha é possível ver o fundo da usina, local por onde é escoada a água que "alimenta" as turbinas para a produção de energia elétrica.
Parte posterior da usina
A usina, construída em 1928, está desativada desde 1970. Por isso utilizei as aspas em "alimentava" no parágrafo anterior. Felizmente seus arredores foram transformados em Área de Preservação Ambiental. A degradação das águas que a abasteceram e que geraram energia para Atibaia, Jarinú e Bragança Paulista, por outro lado, é evidente, principalmente na água estática sobre a comporta que se encontra fechada. Subprodutos da vida moderna em meio a vegetais em decomposição extraem todo o potencial estético do local. Lamentamos, meneamos horizontalmente os queixos e deixamos a usina.
Sorrindo, apesar do tombo
O centro de Atibaia, pouco após a represa, nos direcionou ao princípio da estrada de terra que culmina na Pedra Grande. Perdemo-nos, como de praxe, mas rapidamente nos colocamos no caminho correto. Ascendemos vagarosamente pela serra, fotografando a paisagem sobre uma animalesca pedra encostada a uma cerca. As placas indicativas foram suficientes para que chegássemos ao cume sem nenhum percalço, a não ser, logicamente, a condição precária da estrada no trecho próximo ao seu término. Foram nestes 50 traiçoeiros metros que, no regresso, Luiz Paulo e Levi tombaram suas motocicletas enquanto eu, atônito, tentava desatolar a minha da vegetação que se decompunha sob às altas árvores que emparedam o caminho. Afortunadamente ninguém se feriu. Nem mesmo nossas “poderosas” se avariaram.
Do alto da Pedra Grande
A recepção instrutiva na Pedra Grande foi, ao meu ver, o apogeu dessa pequena incursão de domingo. Duas mulheres aparentando pouca idade, provavelmente biólogas, nos indicaram os locais em que poderíamos estacionar as motocicletas sem causar dano às estruturas naturais da pedra; apontaram a necessidade de recolher o lixo que eventualmente produziríamos; e clamaram a necessidade de se preservar a vegetação esparsa que sobrevive na superfície rochosa. Com tais itens devidamente internalizados, preocupamo-nos, deste ponto em diante, somente em contemplar a vista.
Potencial esportivo
Apesar da coloração cinza emprestada aos céus pelas nuvens carregadas, discernimos no horizonte, de uma altitude de 1450m, as cidades de Atibaia e Jarinú. Augurávamos ver muito mais, mas a recompensa, sempre esperada pelos aventureiros, não se materializou completamente. Certamente a possibilidade de enxergar quilômetros à frente impressionou, mas devo admitir que o que me deixou boquiaberto, na verdade, foram as formações rochosas que parecem brigar por cada centímetro nos 200 mil m² de superfície da Pedra Grande. Essas rochas, formadas há 600 milhões de anos, são compostas principalmente por quartzo e microclínio. Muitos esportistas fazem delas rampas para voo livre e pontos de descida de rapel.
Recompensa
A chuva começava a cair. Cogitávamos viajar um pouco mais, até Joanópolis, mas a água advinda do firmamento, potencializada pelo vento lateral que golpeava ferozmente todas as estruturas presentes no topo da pedra, encharcou nossos intentos. Abatidos e cansados, principiamos o regresso. Agindo antagonicamente ao espírito em que se baseou esta jornada, acabamos retornando pela Rodovia Dom Pedro e arcando com abusivos pedágios. Enfim, foi como guerrear contra um inimigo mortal e, ao alcançar a vitória, pedir perdão em prostração. Os 270km rodados, ao meu ver, foram meritórios. Pelo menos boa parte deles.
Que a humanidade se multiplique e consuma! Que cresçamos 50 anos em 5! E que em cidadãos não tão comuns, como eu, o apego ao progresso aumente concomitantemente ao desejo de reaver o que é imprescindível, mas que um dia foi deixado para trás. Vivo no presente, beliscando nacos do passado e lamentando o que o futuro nos reserva. Panegíricos a nós, os saudosistas! Isso se não nos rotularem como loucos.
Gosto da maneira como você descreve a viagem, dá até para me imaginar percorrendo a estrada,o caminho por onde você passou, as fotos são incríveis...parabéns
Gosto da maneira como você descreve a viagem, dá até para me imaginar percorrendo a estrada,o caminho por onde você passou, as fotos são incríveis...parabéns
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