terça-feira, 27 de setembro de 2011

Analândia – 24 de setembro de 2011


Friedrich Hayek, o pai do neoliberalismo, frisava em 1944 que “os acontecimentos contemporâneos diferem dos históricos porque desconhecemos os resultados que irão produzir”. Em português claro, agimos sem saber a força que nossas ações presentes exercerão – em nossas próprias vidas e em vidas alheias – em um futuro próximo ou longínquo. Muitos pequenos atos, que poderiam ser simplesmente olvidados sob as pilhas da indiferença, são capazes de angariar um poder incomensurável com o passar do tempo e ocasionar mudanças drásticas em uma sociedade. Logicamente não temos controle sobre a História. Podemos, agindo apequenadamente, fenecer no fracasso, na obscuridade do anonimato. Corremos o risco de deixar um legado perfunctório.
Pica-pau-do-campo
A obrigação de ter que voltar a uma mesma localidade em várias oportunidades pode nos privar de conhecer outras. Não obstante, é sabido que diversos caminhos levam a um mesmo destino. Trilhar todos eles oportuniza um maior volume de pequenas ações. Cada estrada, cada alameda, cada cidade exige um grau de atenção, de velocidade de mobilidade, de gestual corporal, de motivação. O destino em si é secundário; os meios para se chegar a ele, primários. Desta forma maximizamos nossas chances de fazer História, pois criamos um pano-de-fundo para a vivência de variadas situações. Quanto mais conhecemos, mais sabemos e, se não deixarmos a pusilanimidade nos eivar, mais faremos. Sejamos desbravadores! Sejamos polivalentes! Deixemos um legado substancial! Viajemos!
A estrada velha de Limeira
O discurso de início desta postagem é, ao meu entender, necessário, pois detalharei uma viagem a uma cidade em que estive incontáveis vezes. Porém, em todas elas, garanto, alcancei-a por vias alternativas. Nunca um caminho foi semelhante a outro. Portanto, quando recebi o convite de meu intrépido camarada Luiz Paulo para ir novamente a Analândia, não deixei que o fato de eu conhecer cada detalhe deste local exterminasse minha vontade de viajar. Pelo contrário, entusiasmei-me pela possibilidade de encontrar mais uma alternativa de chegar à cidadela. Devo assegurar que não me arrependi de ter traçado o trajeto que se segue.
Rio Piracicaba
Luiz Paulo e eu partimos de Americana por volta do meio-dia. Nosso plano desde o princípio consistia em pilotar a maior parte do tempo por estradas de terra. Ainda em Americana nos embrenhamos pela primeira, após transpassar uma ponte sobre o rio Piracicaba, principal afluente do Tietê. Este rio nasce, a dois quilômetros dali, da fusão de dois outros importantes rios: o Jaguari e o Atibaia. Lentamente alcançamos o distrito de Tatu e seguimos, ainda via terra, até Limeira, onde naturalmente fomos “desembocados” na Anhanguera.
O anu-branco e a cigarra
De Americana a Limeira aproveitamos os pormenores somente encontrados na Antiga Estrada de Limeira. O aroma das laranjeiras e a flor da cana-de-açúcar cindiram grande parte do caminho, bem como a avifauna sempre vistosa do campo. Pude fotografar um anu-branco degustando uma cigarra e as cores vibrantes de um pica-pau-do-campo assustado sobre os galhos de uma pequena árvore. Surpresas ruins também saltaram aos olhos, como um carro em chamas. Ladrões devem tê-lo abandonado, após a extração de algumas peças, ateando fogo ao mesmo logo em seguida.
Córrego em Corumbataí
Da Anhanguera a Washington Luiz, outra antiga conhecida. Passamos por Santa Gertrudes, Rio Claro e pela primeira entrada, por asfalto, de Corumbataí. Adentramos a segunda, esta por terra. Atravessamos alguns sítios, boiadas e areais. Um casal de seriemas cruzou a estrada, motivando uma parada para fotografias dos bichanos e consequentemente da serra ao fundo. Dez quilômetros depois estávamos na praça central de Corumbataí, cidade com aproximadamente 4000 habitantes, procurando uma outra estrada de terra que nos levaria ao portal de Analândia. Rapidamente a localizamos e, sem muitas emoções, a não ser uma breve parada à beira de um manso córrego, vencemos os poucos quilômetros que nos apartavam do nosso derradeiro destino.
Analândia
Analândia conta com uma população de quase 4000 habitantes, comparável neste item à vizinha Corumbataí. Desde 1966 se enquadra na categoria política de Estância Climática, o que garantes maiores subsídios econômicos por parte do Governo do Estado de São Paulo. Tal título se deve principalmente à qualidade de suas águas. Até meados de 1944 detinha o nome de Anápolis, mas devido a uma cidade goiana homônima seu nome original foi modificado. É conhecida pelo artesanato à base de lã de carneiro, mas peremptoriamente por seus recursos naturais (cachoeiras e morros) e potencial em esportes de aventura, como mountain bike, tirolesa, escalada e rapel.
Cuscuzeiro
Da parte central de Analândia se bifurcam duas estradas de chão e areia repletas de atrativos naturais. Seguimos pela mais conhecida, que leva aos morros do Cuscuzeiro e do Camelo. O primeiro, do alto de seus 220 metros, tem sua base coberta por mata nativa bem preservada. Do meio dessa vegetação se eleva um paredão de arenito com 52m de altura. Seu cume pode ser alcançado somente via escalada. Um quilômetro adiante fotografamos o morro do Camelo, também bastante explorado por escaladores iniciantes. Ambos os morros foram agraciados com esses nomes pela semelhança que apresentam com o cuscuz, comida típica da América Latina, e com um camelo deitado.
A "goteira" da Bocaina
Com pouco tempo disponível, infelizmente nos vimos na premência de partir. Sabíamos que a estrada de terra terminaria na rodovia Washington Luiz, segundo informações de um morador local. Aproveitamos, então, para visitar a Cachoeira da Bocaina. Contrariando o dono do sítio na qual está inserida, descemos a abissal trilha apenas para atestar o que o velho homem havia advertido: a queda de 45m, na verdade, não era mais que um “chuveiro natural”. A estiagem que vem castigando a região nos últimos meses diminuiu consideravelmente o volume de água dos rios e, consequentemente, das quedas d'água. Já estive em uma outra ocasião neste mesmo local e posso garantir que o poder das águas, em condições propícias, é assustadoramente maior.
O cansaço
Washington Luiz, Rio Claro, Iracemápolis, Santa Bárbara d'Oeste e Americana: este foi o trajeto de retorno, inteiramente por asfalto. Os pouco mais de 250km rodados em menos de 7 horas exauriram nossas forças, visto que em grande parte destes pilotamos por estradas de terra, pedra e areia. Soma-se a isso a trilha para a cachoeira, a qual nossos andrajos de motociclistas não foram nem um mínimo adequados. A resistência, a cumplicidade e a paciência do meu camarada Luiz Paulo devem ser louvadas. Ter que parar a cada 100 metros para eu poder fotografar algo realmente não era esperado por ele.
Por cá ou por lá, a caravana segue seu curso. Quando a preocupação de ter que chegar rapidamente deixa de existir, a exploração de caminhos alternativos adquire plenos poderes. Nossa existência, em decorrência disso, passa a ser vista por diferentes ângulos que, por sua vez, podem divergir entre si. A propósito, somos o que nossos desequilíbrios nos permitem ser. Buscando vencê-los nos atiramos à procura de soluções para reavermos a paz. Que ela nunca venha. Que eu a encontre somente quando as paisagens de todos os caminhos estiverem lapidadas em meu âmago.


Mais fotos aqui.

E abaixo um blues, antigo mas readaptado, para a minha velha conhecida Analândia.
The same old sky above me
The same old moon just fillin' the night
Recalling me that I must go
I must go where noone else can go

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