terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Rastro da Serpente, Curitiba e Parque Estadual de Campinhos – 17 e 18 de setembro de 2011


As românticas e revolucionárias décadas de 1950 e 1960 ficaram na história. As potenciais Sierras Maestras e Serras do Caparaó se elevam sobre as mesmas cordilheiras, mas o ideário popular já não é tão atuante ou criativo a ponto de torná-las base para uma mudança significativa da sociedade. Não há mais Bolivares, Marighellas ou Guevaras. Não há líderes. Os pilares das relações interpessoais, como nossos ascendentes os edificaram, permanecem intactos, mas apenas como totens para saudosa admiração e não para real usufruto. As “vidas virtuais”, estas sim, são hipercaloricamente nutridas e zeladamente gerenciadas.
Gavião-Carijó
O conhecimento não é mais produzido e compartilhado em rodas de conversa na praça do vilarejo. É, infelizmente, mantido em “cativeiro” nos círculos acadêmicos. Como resultado desta centralização, cria-se uma ruptura de grandes proporções no seio da sociedade. Instaura-se o axioma de que “quem pode, manda, e quem é esperto, obedece”. Criticamente, portanto, enfraquecemos. Política e filosoficamente nos atrofiamos. Não lemos, a não ser que seja primordial ao crescimento profissional, mesmo sabendo que fontes gratuitas de literatura estão ao alcance. Especializamo-nos em uma área e nos tornamos mercenários, o que vai na direção oposta ao pensamento da Grécia Antiga ou do Renascentismo, no qual um mesmo indivíduo buscava dominar a arte, a matemática, a filosofia e a anatomia.
A filosofia das duas rodas
Este relativamente longo e incomum antelóquio não é um desabafo de um angustiado sujeito de esquerda. Por mais que meus estudos marxianistas tenham me embrutecido, ainda posso pensar como Comte ou um neoliberalista, muito embora não concorde com a visão de sociedade destes indivíduos. Se os organismos vivos evoluem, como prerrogou Darwin, o organismo social consequentemente também evolui. Não sou tolo a ponto de querer retroceder a humanidade à “era das cavernas”. O que almejo, na verdade, é aventar um modo de pensar – uma filosofia, se preferirem – que restaure o antigo lado crítico de cada ser humano valendo-me de recursos possibilitados pela modernidade. Pretendo indicar caminhos que nos façam reaver a polivalência humana.
Os pormenores da estrada
Carecemos de pequenas revoluções. Sobre uma motocicleta posso desencadear uma. Meu “motim” não é significativo para muitos e por este motivo o proclamo “pequeno”. Parto do princípio – similar ao de Guevara – de que um povo acrítico é um povo facilmente dominável. Quero mudar este quadro. Quando me proponho a viajar, previamente pesquiso a história, o relevo, o clima, a fauna, a flora e a economia dos locais que visitarei. Sei que uma cidade não se edifica ao acaso, e sim por uma sucessão de fatos históricos. Nas poucas vezes em que estou acompanhado exijo o mesmo de meus companheiros. Um professor, desta forma, de repente se transforma em professor, motociclista, geógrafo, biólogo e historiador. Múltiplos conhecimentos: este é o caminho para minimizar nossa “ignorância”. Que todos vejam através da negra cortina que seus diplomas acadêmicos e técnicos dispuseram diante de seus olhos! Posso sofrer críticas dos mais conservadores ou me passar por pedante pelos acadêmicos. Não há lacuna para temores. Os grandes mártires e líderes revolucionários nunca foram totalmente compreendidos. Por que eu, um simples professor com uma incipiente micro-revolução no coldre, seria?

Múltiplos conhecimentos são adquiridos no simples ato de viajar

Acidentes no Rastro
Atenhamo-nos agora à viagem.
Rodrigo e eu, com apenas dois dias disponíveis, decidimos, após algumas enfadonhas trocas de argumentações, viajar até Curitiba por um caminho nem um pouco ortodoxo: o Rastro da Serpente. O atrativo principal da viagem não seria a capital do Paraná e seus bem estruturados parques em si, mas sim a própria estrada e suas traiçoeiras curvas. Poderíamos, ademais, encontrar alguma garbosa atração no decorrer das mesmas.
Alusão ao Rastro em Apiaí
Partimos de Americana às 7 da manhã, momentos após eu ter fotografado um Gavião-Carijó agarrado à antena de TV de uma casa vizinha. Seguimos pelas já conhecidas SP-304, Rodovia do Açúcar, SP-127 e Raposo Tavares. Passamos, dentre outras cidades, por Santa Bárbara d'Oeste, Tupi (distrito de Piracicaba), Tietê, Cerquilho, Tatuí e Itapetininga. Desta última nos dirigimos à Capão Bonito. Nesta localidade se principiava a rodovia que tanto desejávamos conhecer: a SP-125/BR-476, também conhecida como O Rastro da Serpente.

Portal de Apiaí

Ribeira
Muitos motociclistas admiram esta estrada pela complexidade do seu desenho. As curvas acentuadas, que chegam a incríveis seis por quilômetro, exigem muita perícia e cuidado do condutor, principalmente no trecho entre Capão Bonito e Ribeira, passando por Guapiara e Apiaí, todas cidades do estado de São Paulo. O asfalto aqui se encontra criticamente avariado. A combinação de pedras soltas, crateras, areia e neblina pode causar sérios acidentes. Devido a um deles – uma carreta tombada – fomos obrigados a aguardar por cerca de trinta minutos para prosseguir viagem.
O Vale do Ribeira
Meus motivos para trilhar esta rodovia são outros. O principal deles é por estar situada no Vale do Ribeira, região que abrange 22 municípios do estado de São Paulo e 9 do Paraná. Sessenta por cento de toda a mata atlântica brasileira subsiste nestes certames. Foi em meio a esta densa vegetação que Carlos Lamarca, capitão dissidente do Exército Brasileiro, se propôs a treinar 16 aspirantes a guerrilheiros em 1970. Visavam, com este treinamento, desbancar a ditadura militar e instaurar o socialismo no Brasil através da luta armada. Devido ao cerco imposto pelo Exército e pela Aeronáutica foram obrigados a debandar e a modificar o plano original. Lamarca seria morto no sertão da Bahia dois anos depois.

Paisagem da zona rural de Adrianópolis

Rio Ribeira de Iguape
O rio Ribeira de Iguape naturalmente delimita a fronteira São Paulo/Paraná. Cruzamos a ponte sobre ele e adentramos o estado paranaense, mais precisamente o município de Adrianópolis. Nossa intenção era chegar à Tunas, cidade na qual está inserido o Parque Estadual de Campinhos. Alcançamos o destino às 15 horas. Contudo, para o nosso infortúnio, todos os hotéis e pousadas estavam abarrotados. Encontramos guarida em Bocaiúva do Sul, alguns quilômetros à frente, após um cansativo, mas meritório percurso. A serra, vista por esporádicas paradas nas curvas do “rastro”, contrabalançou o desgaste físico ocasionado pelos movimentos bruscos necessários à pilotagem por estes recônditos.
Ópera de Arame e Cachoeira
O dia 18 amanheceu congelante. Rodrigo, que ainda não conhecia Curitiba, me instou a visitá-la. Devido ao curto tempo de que dispúnhamos, rapidamente vencemos os 27km entre Bocaiúva do Sul e a capital, passando por Colombo, apenas para visitar a Ópera de Arame, espaço cultural construído em estrutura tubular sobre um local onde antigamente funcionava uma pedreira. Uma cachoeira de dez metros e um lago repleto de carpas embelezam este que é, juntamente com o Jardim Botânico, um dos cartões-postais mais conhecidos da bem planejada cidade de Curitiba. A avifauna e a vegetação nos arredores da ópera chamam igualmente a atenção. Pude visualizar e fotografar, inclusive, uma saracura-três-potes, ave que havia visto anteriormente somente no Pantanal Norte.

Bocaiúva do Sul

Gruta dos Jesuítas
De Curitiba principiamos o regresso. Retornamos pelo Rastro mesmo, ignorando o caminho corriqueiro pela BR-116. Localizamos a estrada de terra – estrada de chão, como dizem os paranaenses – que conduz à entrada do Parque Estadual de Campinhos a 8km do perímetro urbano de Tunas. Dentro do parque exploramos e fotografamos a Gruta dos Jesuítas, caverna com aproximadamente 1400m de comprimento. É considerada a quinta maior caverna do estado. A ausência de luz aumenta à proporção de cada passo em direção ao interior desta magnífica obra que vem sendo lentamente esculpida pela natureza. É importante salientar que Campinhos – e seus 337 hectares de área – é o primeiro parque estadual concebido com o intuito de preservar a riqueza espeleológica do Paraná.
A "serpente" entre a serra
Deixamos Campinhos e enfrentamos novamente o Rastro da Serpente. Voltamos para os nossos lares praticamente pelo mesmo caminho de ida. A única alteração se deu na parte final do trajeto, na qual adentramos a SP-101, passando por Rafard e Capivari. Chegando à Rodovia do Açúcar nos separamos: Rodrigo seguiu pela 101 para Campinas; eu pela Comendador Américo Emílio Romi em direção à Santa Bárbara e posteriormente à Americana via Luiz de Queiroz. Foram, no total, 1100km percorridos em dois dias, por dois estados e por uma rodovia histórica que merece o respeito e a parcimônia de todos os condutores de veículos motorizados que ousam transpassá-la.
Entender a totalidade do mundo é uma tarefa complicada, uma ambição. Os fenômenos são interligados e a compreensão de todos é deveras complexa. Falhar neste intento é esperado. Entretanto, ater-nos apenas a conhecimentos de determinadas áreas nos garante o rótulo de experts, mas nos priva de outras sensações propiciadas pela polivalência humana, aquela mesma que inutilizamos em algum momento da nossa nefasta História. Passei por onde Lamarca e inúmeros outros brasileiros e estrangeiros estiveram. Melhor dizendo, passei por locais históricos e tomei conhecimento de todos os seus “segredos”. Consequentemente, deste momento em diante, arraigo-me também nesta história. Sou, agora, parte dela.


Mais fotos aqui.

E abaixo um blues em homenagem ao Vale do Ribeira e a todos os brasileiros perseguidos pela ditadura militar entre os anos de 1964 e 1985.

2 comentários:

  1. Mahhh é tão bom participar da sua vida e com vc acabou viajando em vários lugares sem sair da minha casa (o que não deveria), em breve espero ir com vc, o caráter antagônico que você vê a natureza é descrito por uma literatura que jamais observei em nenhum lugar, obrigada por partilhar estes momentos e ensinar as pessoas que o vida curta e a apenas um momento para fazer algo e este é hoje, isso tudo me fez lembra de Fernando Pessoa que da seguinte forma:
    Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

    Valeu por tudo beijos da sua sempre amiga Marry

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  2. muito bom
    literalmente nascido nas trilhas e criado no asfalto ouvindo um blues
    haduhsudhsu
    esse cara é camarada, culto filosofo e comunista
    parabens meu brother tudo de bom pra você nesse caminho
    e um conselho não viva a vida tão a serio afinal ele é uma viagem louca da qual nunca sairemos vivos

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