segunda-feira, 9 de maio de 2011

Campo Grande – de 03 a 06 de setembro de 2010


Só. Eu estava realmente só. Esta foi a minha primeira viagem sozinho. O Mato Grosso do Sul é a solitária (daquelas que Henry Charrieré descreve em Papilon). Saí de Sumaré/SP às 9:40h e cheguei em Três Lagoas/MS com a minha motocicleta às 17h. Pelos 640km, lábios partidos e garganta seca. A estiagem castigava, e o céu se encontrava em algum lugar por detrás da névoa de poeira marrom que pairava no ar. Senti laivos de umidade apenas por um breve instante, momento em que atravessava a Usina de Jupiá, que se eleva sobre o Rio Paraná. Isso aconteceu um pouco depois de flertar com uma bela moça de olhos azuis no pedágio – o sétimo da Marechal Rondon, diga-se de passagem – de Castilho. Achei o olhar da moçoila vazio, mas retribui mesmo assim o sorriso. Naquele dia, eu queria estar só. Eu com os meus demônios.
A frase “boa sorte na vida” ainda repercutia. Esta foi a minha escolha, e sei que não foi tomada precipitadamente. Quando se sai de algo que te corrói, viajar é o melhor remédio. Eu precisava de paz. Era utopia, sabia eu disso. Contudo, estava de volta à estrada. De volta à procura de um lugar a que eu pertença.
Lagoa Maior, em Três Lagoas/MS
No dia 04 o cansaço me venceu antes que eu pudesse tomar nota de alguma coisa. Saí de Três Lagoas às 10:15h – aqui o relógio é atrasado em uma hora com relação ao horário de Brasília – e cheguei à Campo Grande às 13:30h. Foram 320km bem causticantes. Em meus últimos instantes em Três Lagoas conheci a Lagoa Maior, aparentemente bem cuidada, e a segunda lagoa, bem esquecida. Não fui capaz de localizar a terceira, mas fontes fidedignas me disseram que a situação é parecida com a da segunda. Dei uma bela volta pela cidade, passando pela estação de trem, Cristo, centro e Balneário Municipal. A caminho deste último fui testemunha ocular do atropelamento de um carcará. Ao ver o bichano agonizando, as lágrimas me vieram aos olhos pela primeira vez em quatro anos. Perto da estação, em meio à balbúrdia da campanha política, vi três araras azuis sobrevoando a praça. Isso me animou um pouco e pude prosseguir viagem.
Com meus alforges montados, parti para Campo Grande. A estrada até Águas Claras é regular, senão ruim. Passei por sobre o Rio Verde e o Rio Pardo, este último que dá nome à cidadela São Ribas do Rio Pardo. Ao avistar um número crescente de torres de energia, sabia que a capital sul matogrossense estava logo à frente.
Campo Grande/MS
Uma grande cidade. Melhor dizendo, uma cidade grande. A Cidade Morena é apenas mais um antro do capitalismo. Grandes arranhacéus, multinacionais e lojas de departamento. Estando aqui, tem-se a sensação de que se está em qualquer outra cidade com um comércio mais ou menos desenvolvido. É a perda de identidade acarretada pela globalização. Visitei o camelódromo municipal. Lá, morenas lindas, com traços indígenas, caminhavam apertadamente em todos as direções. No hotel, questionei a recepcionista a respeito de locais dignos de visitação. Ela me respondeu: o shopping. Dei risadas e sai à caça de algo mais verde. Acabei me deparando com o aeroporto, nem tão interessante assim, com o Parque das Nações Indígenas e com o Parque dos Poderes. Neste primeiro presenciei o pôr-do-sol e o caminhar das capivaras.
Aqui vi nuvens. Fazia algum tempo que não as via. Estava mais frio e menos seco do que em São Paulo. Parti incontinenti, com dores nas costas e no pescoço. Entretanto, a dor maior foi ter que voltar à mesmice de minha vida em Americana. Aqui vi placas apontando para a Bolívia e Cuiabá, o que me despertou uma vontade insana de continuar nesta toada viciante. Entretanto, o pouco de razão que me restava me obrigou a regressar. Adeus MS. Boa sorte na vida.
Aparecida do Taboado/MS
Saí de MS, pendi para Ilha Solteira e voltei para MS. Repousei em Aparecida do Taboado. Disseram-me se tratar de uma cidadezinha pacata, mas não foi o que notei, talvez por ser um fim de semana prolongado. Tudo o que sonoramente imperava tinha uma natureza ruidosa. Acho que, no fundo, não há cidade pacata, pois não há cidadãos pacatos. Por isso se travam guerras: não há cidadãos em paz.
Comi minha primeira porção de proteínas em quatro dias. No restaurante, o típico som “sertanejo” de todas as cidades do interior. Nas ruas, camionetes gigantescas lutavam pelas “beldades dando sopa” nas ruas. Sai de lá logo pela manhã. Afinal, foram 1500km desbravados em menos de 72 horas. No dia 6 percorri mais 500km. Adeus novamente, MS. Boa sorte na vida. Talvez um dia eu retorne.

Ilha Solteira/SP

Mais fotos aqui.

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