quarta-feira, 27 de abril de 2011

Rio-Santos (BR-101) – de 21 a 24 de abril de 2011


Depois de uma grande decepção (as pessoas nos decepcionam ou a decepção nos é intrínseca?), nada melhor e revitalizante do que viajar de motocicleta em excelentes companhias. Eu e Fernando Carcará “Bandit”, com isso em mente, e coroando a “apoteose motociclística” de Anna “Bebê” Carcará e Rose “Jiraya” Carcará, levamos a cabo mais uma grande empreitada. A jornada, desta vez, consistia em sair de Santos/SP e chegar ao Rio de Janeiro/RJ margeando o Oceano Atlântico pela rodovia Rio-Santos (BR-101? SP-55? Estradas sem história. Este é o Brasil!).
Igreja de São Benedito, em Santos/SP
No caminho, desde a Igreja de São Benedito em Santos até a Escola Naval de Angra dos Reis, muitas paisagens com as águas do Oceano Atlântico como pano de fundo, o que rendeu belos visuais e fotos inesquecíveis. O caminho de volta também surpreendeu, principalmente no trecho da RJ-155 que pertence ao território de Angra e que se estende até a Dutra em Barra Mansa, passando pela pequena e movimentada Lídice.
Trindade/RJ
Pernoitamos em cidades litorâneas interessantes e singulares. Em São Sebastião acampamos nos arredores do centro. O céu estava claro e a paisagem, apesar de não tão bela quanto nos outros locais ulteriormente visitados, deixou no ar a esperança de vistas agradáveis enquanto nos dirigíamos ao norte. Em Trindade, já no estado do Rio de Janeiro, após passarmos por Caraguatatuba e Ubatuba, fomos presenteados com um belo clarão vermelho no fim da tarde. À noite, enquanto um apagão elétrico assolava a vila, sentamos à beira-mar e contemplamos a lua pálida e o céu mais estrelado a que eu já tive o prazer de direcionar meus olhos até então.
Em Angra fui bombardeado por uma mescla de sensações, e não pelos canhões da Marinha Brasileira que descansam inertes por entre os balaustres na orla da avenida principal. A cidade em si não é tão aprazível, e as praias próximas ao centro são sujas e malcheirosas. Nas fotos o local parece mais bonito do que realmente é. Caminhando em direção ao Colégio Naval experimentei nuances muitas vezes antagônicas de sentimentos. A água transparente contrastava com os dejetos sobre as pedras. Os passeios mais contundentes ali são aqueles feitos a barco, e infelizmente não tivemos tempo hábil para tal luxo.
O fim de tarde de Angra é inenarrável. No caminho de volta para a pousada, eu e “Bebê” presenciamos uma das cenas mais impressionantes de nossas aventureiras existências: o sol, que murchava atrás dos morros posteriores à Escola Naval, aquarelava os céus de uma tal maneira que fui obrigado a fotografar várias vezes, e do mesmo ângulo, para ter certeza absoluta de que aquilo se tratava de um fenômeno real. Pude distinguir o violeta, o amarelo, o laranja e o vermelho no horizonte, todos dividindo o mesmo firmamento. Há quem diga, olhando atentamente às fotos, que mais cores pontilham a paisagem. Enfim, vejam por vocês mesmos.


Como dito em uma outra oportunidade, muitas das coisas que vemos nos marcam para sempre, sejam positiva ou negativamente. Nesta jornada, dos quatro dias em que os quatro pneus se relacionaram intimamente com o asfalto da 101, talvez apenas alguns minutos tenham sido realmente transcendentais. Pude admirar as belezas naturais do nosso litoral, e também rir ironicamente com a rudez de certas pessoas que certamente andam duelando psicologicamente consigo mesmas. Meu ímpeto de querer ver, descobrir e de aventurar-me, no fim das contas, foi até mesmo maior que o lastimável preço da gasolina brasileira e dos pedágios da Dutra.
Que na apostila do viajante e do aventureiro, que é material indispensável para a formação na escola da vida, essas três lições sejam compulsoriamente transmitidas como conteúdo indispensável para a formação do ser humano (todos os pleonasmos aqui são justificáveis e perdoáveis, dada a emoção dos momentos):

1) Visualização estática do clarão vermelho do findar de tarde e do clarão alaranjado do amanhecer de Trindade/RJ;


2) Apreciação boquiaberta da pintura que o artista sol apresenta na galeria de artes sobre a Escola Naval de Angra/RJ (em suma, como diria Renato Russo, a Angra é dos reis!);


3) Passagem lenta e atenta pelos caminhos da RJ-155, principalmente por entre os três túneis escavados rusticamente em meio aos morros úmidos da Serra do Mar.


Foram 1400km virando a mesa e metendo o Marlon Brando nas ideias. E que a próxima expedição não tarde a acontecer.


Veja todas as fotos desta aventura aqui.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Todo recomeço é digno de nota


Os relatos neste espaço cibernético não têm a intenção de gabar o autor das aventuras em questão. Não há também o interesse em mostrar aos leitores as cilindradas da motocicleta utilizada, a marca do equipamento ou mesmo a audácia do motociclista. Muitas das viagens sequer foram além de 200km percorridos, o que para uns pode parecer uma insignificante distância, não meritória sequer de uma breve anotação. Muitos dos lugares são provavelmente desconhecidos para grande parte do senso comum, e em outros não há nada a ser visto de realmente embasbacante. Mas, em suma, o que define se uma jornada é digna ou não é o prisma do ser humano por detrás da viseira salpicada de insetos. E se é digna, certamente merece um blues, gênero musical que melhor expressa, de uma maneira muitas vezes juvenil, o sentimento humano.
Sentido há em toda e qualquer faceta, objeto ou local. O que não temos é a paciência de esperar pelo momento correto. Uma viagem a um lugar longínquo ou próximo, hoje, relevando nosso estado de espírito, pode não soar tão interessante. Numa outra oportunidade, o mesmo ponto, se visitado, pode se abrir escancaradamente ante nossos olhos, permitindo-nos a visualização de características peculiares que, no passado, passaram despercebidas. O local mudou? A paisagem adquiriu um diferente tom de verde? As pessoas se tornaram mais receptivas? Não. O que mudou, na verdade, foi a inspiração do motociclista, seu estado de espírito e todos os sentimentos que, unidos, naquele segundo ou terceiro momento, propiciaram-no enxergar em toda a plenitude a beleza que o local guardava para o seu vislumbre.
Eu não sou o mesmo depois de tantas perambulações por este mundo. Muitas coisas me marcaram para sempre (qualquer semelhança com as palavras de um jovem Guevara não é coincidência). Hoje sou mais indiferente em relação aos seres humanos e, devido a este fator, muito mais ávido em conhecer outros locais e pessoas, com o intuito logicamente de mudar esse preconceito em relação ao homem. Talvez se um dia eu encontrar um local perfeito habitado por pessoas perfeitas, eu pare de viajar e assente acampamento. E, se esse dia chegar, talvez eu não veja mais sentido em nada. Talvez seja a hora de partir e começar tudo de novo, pois é na imperfeição que se busca o perfeito; é na escuridão que se procura a luz; e é na mesmice que se procura a aventura.
Boa leitura, seja você motociclista ou não.

Centro Nuclear Almirante Álvaro Alberto. Praia de Itaorna, em Angra dos Reis