Dizem que fé é a crença no imaterial, no inanimado, no que não pode ser palpado ou mensurado. Eu, um ex-estudioso acerca de religiões e que não necessariamente se deixou alienar por elas, do imo do meu ateísmo evoco amiúde um resquício de fé, embora essa não seja aquela que se relegue a Deus, a deuses ou a uma outra divindade qualquer. Tenho esperanças, por exemplo, na restauração da harmonia entre os ser humano e os outros seres vivos desse planeta, algo que muitos considerariam mais uma utopia do que propriamente algo conquistável. É uma fé propriamente dita. Fé, portanto, também é isso: debruçar-se sobre impossibilidades, ou sobre algo possível que talvez nunca se concretize, uma vez que exige um esforço extenuante, além das limitações do comodismo humano. No fim, termos se confundem, a fé passa por provações, o ser pensante sofre mutações ideológicas. Ao término de tudo, restam os caminhos trilhados e aspirações para um futuro incerto, duvidoso. Resta a fé de que tudo, um dia, melhore. Se nem ela restar, a depressão se torna uma realidade, e a passividade, de braços cruzados, aguarda a morte.
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Rumo ao Caminho da Fé |
A ideia de percorrer todo o Caminho da Fé, partindo de Tambaú até Aparecida e cruzando boa parte do sul mineiro, surgiu de minhas antigas passagens pela região de Águas da Prata, isso quando a motocicleta ainda não me era um instrumento para a transcendência do óbvio, mas sim um meio de locomoção barato e, portanto, tangível para um assalariado como eu. Sempre me deparava, naquelas ocasiões, com portais, setas amarelas e outras informações físicas acerca dessa “travessia” criada em 2004 com inspiração nos caminhos de Santiago de Compostela, na Espanha, esse há muito frequentado por peregrinos do mundo todo. Guardadas as proporções, o Caminho da Fé é hoje uma dentre as várias opções disponíveis aos peregrinos tupiniquins que porventura desejam pôr em cheque a própria fé ao caminhar por seu longo comprimento, desafiando limites físicos e testando seu poder de automotivação. Obviamente por ser um caminho quase que inteiramente composto por estradas de terra, ciclistas e motociclistas também o trilham, logicamente com um esforço menos intenso. Porém, em uma viagem de moto o que se busca não é a prova de nada. De fato, Thiago Lucas, meu parceiro de empreitada, é um cristão católico, embora não praticante. Eu, por minha vez, sou um ateu por ora convicto, e portanto o aspecto religioso não era o meu escopo nessa incursão. Augurávamos não colocar nossa fé ou corpo à prova, mas sobretudo vencer uma rota que prometia revelar cenários interessantes, uns ainda preservados e outros totalmente ruralizados, e que, juntos, contribuem para a construção de uma identidade peculiar do sul mineiro e do norte paulista.
Não me aterei à descrição pormenorizada do caminho entre Americana e Tambaú, visto ser esse composto por 130 asfaltados e fastidiosos quilômetros quase em sua totalidade ladeados por plantações de cana-de-açúcar, excetuando-se uma breve e vistosa passagem pela ponte do rio Mogi-Guaçu, em Cachoeira de Emas.
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Basílica de Tambaú |
Saímos de Americana no dia 26 de julho em um horário atípico, às 11:30h. Chegamos a Tambaú, cidade com 23 mil habitantes, no princípio da tarde, por volta das 13h. Aqui, na cidade afamada pelos supostas curas miraculosas do Padre Donizetti Tavares de Lima (pároco que não nasceu, mas morreu em Tambaú na década de 1950), daríamos início à nossa “peregrinação” pelo Caminho da Fé (coloco o termo entre aspas porque, segundo alguns caminhantes que encontramos alhures, motociclista não sofre tanto quanto um pedestre e, portanto, não pode ser considerado peregrino). Ressalto que existem vários caminhos que levam a Tambaú, os chamados ramais, que também são integrantes do Caminho da Fé. Partem de São Carlos, Franca e Sertãozinho. Entretanto, estes têm apenas o intuito de facilitar a chegada ao Santuário (Basílica) de Nossa Senhora de Aparecida, um templo católico com o formato de uma grande caixa e de quatro entradas de teto triangular, ponto de partida oficial para os peregrinos e a partir de onde setas amarelas, gravadas rusticamente em postes de energia e mourões, começam a desempenhar seu papel direcional. É em Tambaú também que andejos que almejam formalizar suas caminhadas adquirem as credenciais que, ao longo do trajeto, nas pousadas credenciadas, vão recebendo carimbos, como checkpoints. No fim, em Aparecida, podem trocá-las por um certificado. Logicamente tais credenciais seriam inúteis para nós. Augurávamos, nesse primeiro momento, inteirar-nos da aura religiosa que permearia toda a travessia, adentrando o santuário para observar devotos que, em silêncio, acendiam velas ecológicas e cerravam os olhos numa prece pacienciosa, algo que meu ateísmo nunca compreenderá. Sob os imensos lustres e no interior daquele imenso salão iluminado pela luz solar filtrada pelos coloridos vitrais, nós, os pseudo peregrinos, principiaríamos a faina.
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Interior do Santuário de Nossa Senhora de Aparecida |
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Vitral homenageando o Padre Donizetti |
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Casa de sítio abandonada |
Aponto aqui a altitude de Tambaú: 707m em frente à Basílica. A altimetria é um dado relevante no Caminho da Fé, visto que muitas serras terão que ser obrigatoriamente derrocadas nas zonas rurais das cidades que o compõem. Em direção ao segundo centro urbano, Casa Branca, não houve mudanças bruscas, sendo um trajeto composto basicamente por leves aclives e declives. Na primeira parte, na zona rural de Tambaú, as setas amarelas nos guiaram para o meio de canaviais, por trilhas estreitas (que de carro ou qualquer outro veículo mais largo seria impossível atravessar) e para uma outra estrada mais ampla, de terra batida, ladeada por uma cerca viva benfeitora por nos privar do calor do sol por um momento. Repentinamente a terra deu lugar ao asfalto da vicinal Tambaú-Casa Branca, e em suas curvas, sempre em meio a canaviais, observamos um fenômeno corriqueiro nos sítios paulistas: construções abandonadas. Isso se deve ao êxodo rural, principalmente, mas também ao arrendamento de terra por grandes empresas canavieiras, que obrigam os rurícolas a deixar seus domicílios; e, por último, mas esse um caso bem menos comum de acontecer, ao abandono de uma residência para a construção de outra em um local distinto no mesmo sítio. Afinal, como dizem, é mais barato e cômodo construir uma outra casa do que reformar uma que já está comprometida. Impressões à parte, depois de 6 ou 7km deixamos o asfalto e adentramos uma estrada de chão mais truncada, passando por uma cerâmica desativada e por uma capelinha envolta pela cana-de-açúcar. Mais à frente uma outra, essa minúscula, abrigando apenas uma imagem e alguns ornamentos floridos. A partir dela a soja passa a ser a cultura dominante até Casa Branca, cidade com 33 mil habitantes a uma altitude média de 720 metros. Foram rodados exatamente 30km desde Tambaú.
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Trecho entre Tambaú e Casa Branca |
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Capela em meio a um canavial |
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Rurícolas no Caminho da Fé |
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Irrigação da soja |
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Matriz de Casa Branca |
Em Casa Branca apeamos na Igreja de Nossa Senhora do Desterro, mais singela quando comparada à Matriz de Nossa Senhora das Dores, que veio logo em seguida. Continuando no rastro das setas amarelas, entrecortamos o Bosque Municipal, deixamos o perímetro urbano e, vencendo imensas poças d'água, lamaçais e trilhas estreitas, sempre acompanhados de perto pelos pica-paus-brancos e chopins-do-brejo, deparamo-nos com uma porteira elétrica fechada. Um morador da fazenda a abriu e continuamos, mas agora na asfaltada BR-267. Mal nos habituávamos ao liso pavimento e já nos víamos tentados a abandoná-lo. Em um pedágio desativado as setas ouviram nossas súplicas, mas mais tarde cobraram o seu quinhão, ao avançarmos inadvertidamente por um brejo, após abrirmos a segunda porteira do dia. Atolei minha moto de uma tal maneira que, em dois, demoramos cerca de 20 minutos para colocá-la em condições de movimentar-se. Para piorar a situação, tivemos que transpor, metros depois, um lago por uma ponte parcialmente apodrecida pelo tempo e pela umidade. Tivemos que, primeiro, nos certificar de que a mesma aguentaria o peso do nosso próprio corpo para, depois, arriscar atravessá-la com as motos. Com estalidos secos amedrontando-nos, vencemos mais esse obstáculo e prosseguimos pelas irregulares estradas de chão rumo a Vargem Grande do Sul, com a cana e a soja dividindo nossa atenção. Após 35km de muito esforço e sacolejos constantes chegamos à Igreja Matriz de Santana. No feriado de sua padroeira, Vargem Grande do Sul, mesmo abrigando 40 mil habitantes encontrava-se letárgica, praticamente vazia. Aproveitamos esse clima moroso para uma parada e um novo registro da altitude: 734m. O trecho serrano se principiaria ali e, portanto, ansiávamos por mais variações de paisagens.
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Igreja de Nossa Senhora do Desterro |
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Atoleiro entre Casa Branca e Vargem Grande do Sul |
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Ponte apodrecida |
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Matriz de Vargem Grande do Sul |
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Tucanuçu |
Saindo do território urbano de Vargem Grande do Sul, rumamos para o leste, ascendendo por uma pedregosa estrada que manteve a constância em sua rural e católica essência: antigos casarões de sítios e uma amarelecida capela a esmo, a de Nossa Senhora de Aparecida, como que perdida à margem dos caminhos que levam ao alto da Serra da Fartura. Os tucanuçus, em voos errantes, nos acompanhavam aos bandos, deixando-se fotografar destemidamente. O sol, arredio, ameaçava debandar, e subindo em altitude o víamos cada vez mais alaranjado, escondendo-se por detrás das araucárias e das minúsculas outras capelinhas que, devido à falta de luz, não pudemos registrar com a devida sensibilidade. O certo é que, por volta das 18h, cruzávamos o pequeno vilarejo de São Roque da Fartura. Segundo dados dos próprios munícipes, coabitam aqui 600 pessoas. É, na verdade, um distrito do também minúsculo município de Águas da Prata, cidade que viria posteriormente. No entanto, achamos por bem terminar nesse momento nosso primeiro dia de aventuras pelo Caminho da Fé. Na Pousada Paina, dentro do Sítio Sobradinho, onde peregrinos, recebidos pelo casal Dona Clair e “Seo” Felão, tem um tratamento especial e pagam bem barato por isso (não faço propaganda dos lugares em que durmo, mas no Caminho da Fé os pontos de pernoite fazem parte do roteiro e, portanto, alguns merecem ser citados), adormecemos no alto dos 1330m de altitude da Serra da Fartura, um local que nos aproxima do esplendor das estrelas e, ao mesmo tempo, nos envolve com aquele frio serrano que, nessa noite, veio anestesiar a musculatura fatigada de corpos que, mesmo não sofrendo com as andanças de um peregrino, passaram por duras provações ao desatolar as pesadas motos dos brejos do norte paulista. Foram rodados 27km desde Vargem Grande do Sul e aproximadamente 90km desde Tambaú.
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Serra da Fartura |
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Capela nos contrafortes da Serra da Fartura |
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Sítio Sobradinho, em São Roque da Fartura |
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Fim do primeiro dia |
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Igreja da Fartura |
Na manhã do dia 27 o frio da noite anterior permanecia incidindo sobre nós. Descansados, despedimo-nos do casal que nos considerou verdadeiros peregrinos, ao contrário de outros, e como último registro da pacata São Roque da Fartura, fotografamos a Igreja da Fartura, bem como os canários-da-terra e os sabiás que cantarolavam sobre os mourões nos limites do distrito. A partir daí desceríamos e subiríamos por outras serras, como a do Mirante e a do Deus Me Livre, de onde se obtém uma vista distante de cidades como São João da Boa Vista e Aguaí, além de mais próximas como a do Sítio Conquista e de Águas da Prata. Gaviões-de-rabo-branco sobrevoavam as imensas pastagens e nós, atravessando regatos e vencendo pedreiras, deparamo-nos com um imenso cafezal e uma porteira intransponível. De moto seria impossível passarmos. Somente a pé, e isso muito nos desanimou. Por ora fomos aconselhados a voltar um trecho da estrada de chão e partir por uma outra via, também de terra, que nos levou à asfaltada SP342. Nela permanecemos por mais alguns quilômetros, sendo desembocados em Águas da Prata, minha antiga conhecida. Foram 18km trilhados desde São Roque da Fartura, e defronte a Igreja Matriz de Nossa Senhora de Lourdes intentaríamos dar prosseguimento à segunda parte do Caminho da Fé, agora em solo mineiro. Logicamente não poderíamos deixar de visitar uma das inúmeras cachoeiras que descem das serras que emparedam a cidade. Sem nem mesmo sairmos do caminho, conhecemos a cachoeira do Caldeirão da Bruxa, com 10m de queda e que é assim denominada pelo simples fato de ter, nas pedras adjacentes, uma perfuração natural, como uma panela, ou caldeirão. Uma moça que trabalha no local, que é de propriedade privada, ainda nos mostrou outra, de mesmo tamanho: a do Gavião Vermelho. Enfim, foi uma curta, mas proveitosa estadia em Águas da Prata, tudo testemunhado pela viuvinha que, da copa de espécimes vegetais da mata atlântica, nos via seguir em direção ao sul mineiro.
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Sítio Conquista |
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Matriz de Nossa Senhora de Lourdes, em Águas da Prata |
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Cachoeira do Caldeirão |
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Cachoeira do Gavião Vermelho |
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Riacho da Ponte de Pedra |
O trecho compreendido entre Águas da Prata e Andradas, essa última já em solo mineiro, foi indubitavelmente o mais tranquilo da viagem. Apesar de ser todo em estrada de terra, essa se encontra bem “batida” e pudemos avançar incautos. As surpresas ficaram por conta de uma antiga capelinha, pelo marco de passagem de um Estado para o outro, pelo pequeno riacho que corre sob uma ponte acimentada e pelo acesso a uma outra íngreme estrada para o Pico do Gavião, no ponto culminante Serra do Caracol. É um ponto geográfico não abrangido pelo Caminho da Fé, mas não nos custou muito tempo desviar um naco da rota para visitá-lo. Foram apenas 3km de subida, o pagamento de uma taxa de R$5 por cabeça e uma força extra dos motores para culminarmos nos 1644m de uma das rampas de voo de parapente mais famosas do Brasil. De fato, nesse dia uma competição internacional da modalidade em questão estava sendo levada a cabo, o que atrapalhou um pouco a serenidade que augurávamos obter do local. Nem por isso a vista se mostrou menos bela, seja do lado paulista, com seus pastos, plantações, açudes e conglomerados urbanos, como Espírito Santo do Pinhal e Mogi-Guaçu, seja do lado mineiro, com Andradas despontando nos contrafortes da mesma serra e da Serra do Ronca. Foi para essa cidade que nos dirigimos depois, atravessando mais regatos, pedras e outras sortes de empecilhos. E o gavião-de-rabo-branco, espécime carimbado da avifauna local, continuava lá, sobrevoando Minas Gerais, atento a nossa progressão que, descido o Pico do Gavião, voltou a ser baseada na segurança das indicações das setas amarelas do Caminho da Fé.
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Capela entre Águas da Prata e Andradas |
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Pico do Gavião |
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Parapente |
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Vista do alto de 1644m |
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Matriz de Andradas |
A pequena Andradas, com seus 40 mil habitantes aglomerados a 900m de altitude, nos aguardava sem muita cerimônia. Até mesmo a Igreja Matriz de São Benedito se escondia por detrás dos imensos galhos das árvores da praça imediatamente defronte a ela. Com um registro parcial de sua fachada saímos, prosseguimos sentido Serra dos Limas, primeiro por uma truncada e poeirenta estrada de terra, e depois por um trecho, na porção mais íngreme do aclive, asfaltada. No caminho há uma pequena gruta, a de Nossa Senhora de Lourdes, onde um casal de ciclistas repunha a água de seus cantis enquanto brigavam por um atraso na rota. Não que eu tenha me esforçado para escutar a conversa, mas querelavam num tom de voz desmedido, tanto que Thiago e eu nos quedamos atônitos, pois agiam como se não estivéssemos presentes. Enfim, no alto de 1215m encontramos o pacato bairro rural de Serra dos Lima (assim mesmo, sem o S), pertencente a Andradas, e seguimos pelos píncaros das montanhas até Barra e sua Capela de São Pedro, um outro bairro rural, mas esse propriedade de Jacutinga. Aliás, entrecorta esse último o Ribeirão São Paulo, que a poucos metros do Caminho da Fé exibe uma cachoeira que, se não impressiona pela altura de sua queda não superior a 7m, surpreende, por outro lado, pela violência da água, a mesma que a faz ser audível de longe, da estrada, mesmo com os motores ligados e os capacetes atados às nossa cabeças. É preciso ter cuidado para descer o pequeno vale do ribeirão. Não há trilhas e a vegetação fechada esconde espécimes espinhosos. Há de se tomar um cuidado especial com olhos e mãos. Apoiar-se no caule errado pode ser uma experiência bem dolorosa.
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Serra dos Lima |
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Gavião-de-rabo-branco jovem |
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Capela de São Pedro, em Barra |
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Cachoeira do Ribeirão São Paulo |
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São José do Mato Dentro |
No encalço da famosa Ouro Fino e de seu menino da porteira, subimos a Serra do Campestrinho e, desviando de mordidas nos calcâneos pelos canídeos dos rurícolas, vimos lá embaixo, ao sul, o distrito de São José do Mato Dentro e a Capela de São José. Entrecortamos sorrateiramente o distrito de Capuão, também de Ouro Fino, e sua singela Capela de Santa Edwiges. O subir e descer de morros já nos fatigava, ao meio dia, quando chegamos a Crisólia, que à primeira vista nos parecia um município, mas uma rápida entrevista com os locais nos esclareceu se tratar de mais um distrito de Ouro Fino. São tantos! As bandeirinhas multicoloridas das festanças de julho em frente a Igreja de Nossa Senhora da Piedade, a 920m de altitude, nos instigaram a vencer os 7km restantes, entre eucaliptais e pastagens, até Ouro Fino, onde o Menino da Porteira de mais de 10 metros de altura, apoiado sobre a cerca no portal da cidade, nos recebia com um dos cotovelos apoiados e a outra mão em um aceno carismático. É uma personalidade icônica e fictícia composta pelos itapetininguenses Teddy Vieira e Luizinho e cantada por intérpretes ilustres, como nosso grande Sérgio Reis. As setas amarelas, após ele, continuaram nos carregando por boa parte da área urbana do município de 32 mil habitantes, deparando-nos com uma das igrejas mais imponentes de todo o Caminho da Fé até então, o Santuário São Francisco de Paula e Nossa Senhora de Fátima, localizada defronte a praça Monsenhor Teófilo, um lugar sereno onde os munícipes mais idosos sorvem a fumaça de artesanais cigarros de palha. Enfim, a placidez das cidades e vilarejos visitados contrastam, nessa rota em especial, com o perrengue das estradas de chão entre elas. Adeus, novecentos metros de altitude. Que venham mais serras.
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Crisólia |
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Menino da Porteira, em Ouro Fino |
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Santuário de São Francisco de Paula e Nossa Senhora de Fátima |
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Inconfidentes |
O bom de estar na região de Ouro Fino é estar no vale do rio Mogi-Guaçu (ou Moji-Guaçu, segundo a escrita indígena) e passar pelas pequenas cidades que estão próximas a sua nascente. É o caso de Inconfidentes, que atravessamos 9km depois, após cruzarmos uma ponte sobre “o grande rio que serpenteia”. Na cidade de 7 mil habitantes não nos demoramos muito, já que suas principais ruas estavam interditadas devido a uma festa julina que seria levada a cabo naquela noite. Contudo, é importante salientar um pedaço de sua história. Teve terras aqui Inácio José de Alvarenga Peixoto, poeta e advogado que participou ativamente da Inconfidência Mineira, junto com Tiradentes, no fim do século XVIII, tendo sido condenado à reclusão no país de Angola, onde feneceu. Dizem que foi ele o autor da frase libertas quae sera tamen (liberdade mesmo que tardia), latina, na bandeira da inconfidência que, posteriormente, seria transformada em bandeira do Estado de Minas Gerais. Contabilizando mais essa informação, seguimos por um trecho da asfaltada MG-290 e embrenhamo-nos pela estrada mais lamacenta e deslizante de toda a incursão. Em alguns pontos a vegetação atlântica era tão alta e cerrada que impedia a luz do sol de se infiltrar e secar o solo, tornando nossa pilotagem escorregadia, cautelosa. Vinte e um quilômetros depois adentrávamos o perímetro urbano de Borda da Mata, uma outra cidade do Vale do Moji de dimensões reduzidas, dispondo de 17 mil habitantes. Sua basílica, a de Nossa Senhora do Carmo, acinzentada, é de arquitetura parecida à de Ouro Fino.
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Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em Borda da Mata |
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Serra do Café Velho, entre Borda da Mata e Tocos do Moji |
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Bairro Capinzal |
Nesse ponto do caminho tivemos que tomar uma decisão: ou vencíamos, praticamente desamparados pela luz solar, os 17km entre Borda da Mata e Tocos do Moji, ou simplesmente pernoitávamos em Borda da Mata, o que me parecia uma atitude mais sensata. Deliberamos e optamos por seguir, acreditando que os quilômetros restantes seriam fáceis de serem transpostos. Ledo engano. Demoramos cerca de uma hora para derrocar os aclives pedregosos da Serra do Café Velho, um tipo de estrada dominante a partir daqui, visto estarmos nos aproximando dos contrafortes da Serra da Mantiqueira. Encontramos ciclistas carregando suas bicicletas ladeira acima, exaustos aos extremos. A única parte realmente plana desse trecho foram alguns metros que cortam o bairro Capinzal, onde a amarela e avermelhada igreja de São Francisco de Assis está erigida, envolta por palmeiras jovens, de estatura mediana. Chegamos a Tocos do Moji, minúscula cidade com 3 mil habitantes, no princípio da noite. Mais problemas decorreram de nossa chegada. Primeiro, fomos impedidos de pernoitar em duas pousadas por estarmos de moto e, portanto, não sermos considerados peregrinos; segundo, uma festa julina seria realizada mais à noite e, devido a isso, outros pontos de pernoite, os não credenciados no Caminho da Fé, poderiam se encontrar abarrotados. Felizmente conseguimos uma vaga em uma das pousadas peregrinas onde não nos julgaram pelo veículo que nos trouxera até ali, mas pela nossa expressão visivelmente cansada e pela situação deprimente de nossas vestimentas, a essa altura recobertas pela puaca de aproximadamente 200km de estradas de chão que trilháramos até então.
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Festa Julina em Tocos do Moji |
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Igreja de Nossa Senhora de Aparecida, em Tocos do Moji |
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Capela no povoado Fazenda Velha |
Na fria manhã de 28 de julho deixamos as imediações da Igreja de Nossa Senhora de Aparecida, em Tocos do Moji, e derrocando as estradas truncadas dos contrafortes da Serra dos Casquilhos, cujos píncaros enevoados mistificavam a paisagem desmatada, essencialmente rural, calhamos no povoado Fazenda Velha, pertencente ao município de Estiva. É um lugar pacato, onde o silêncio é apenas quebrado vez o outra pela gritaria de bandos de periquitão-maracanã, muitos deles alojados nos vãos do forro da Capela de Santo Antônio. Mais um pouco à frente, já nos aproximando de Estiva, cruzamos outro povoado, o de São Benedito, com uma capelinha igualmente simples logo em sua entrada. Nos quilômetros finais ainda vencemos a Serra da Olaria, na qual apenas os cumes das montanhas mais altas se exibiam devido à neblina que recobria suas bases e a totalidade dos montes mais baixos, observando, ao longe, a Serra da Carapuça. Ambas emolduram o oeste da cidade de Estiva, que alcançamos 21km após a saída de Tocos do Moji. Com seus 11 mil habitantes vivendo nos derredores das igrejas de Nossa Senhora de Aparecida e da rósea Santa Terezinha, construída na década de 1940 e hoje tombada como patrimônio histórico do município, para mim ficou marcada como a cidade dos tucanuçus. Em apenas uma árvore desfolhada vimos três, num estardalhaço que, imaginamos, se devia a uma tentativa de afugentar possíveis saqueadores de suas ninhadas. Eles, que estão sempre pilhando ninhos alheios, instintivamente protegem sua prole de eventuais invasores com pretensões semelhantes as suas.
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A neblina da manhã na zona rural de Tocos do Moji |
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Serra da Carapuça |
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Igreja de Nossa Senhora de Aparecida, em Estiva |
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Igreja de Santa Terezinha, construída na década de 1940 |
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Bairro Caçador |
Mantendo suas prerrogativas, o Caminho da Fé entre Estiva e Consolação permaneceu árduo, variando em altitude (entre 500 e 1200m) e dificuldade de progressão (chão batido e trechos entremeados com pedras esparsas soltas). Passamos rapidamente pelo distrito de Boa Vista, estivense, e seguimos vagarosamente para o alto da Serra do Caçador. Nos intermináveis aclives, vistas estonteantes do relevo do sul mineiro e de conglomerados urbanos da região, como a própria Estiva e outros pequenos povoados. Aí vieram o bairro Caçador, às margens de um córrego homônimo, já em território de Consolação, e um último declive pela elevada Serra do Sertãozinho. Calhamos, após 20km, defronte a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Consolação, uma paróquia que atende a um município de apenas 2 mil habitantes. Estava em processo restaurativo, e portanto rapidamente deixamos suas imediações para acessar a MG-295. Nessa rodovia asfaltada permanecemos por 3km, ganhamos novamente a zona rural do sul mineiro e, abrindo porteira, cruzamos uma ponte sobre um curso d'água que, segundo meus mapas, se tratava do rio Capivari, cujos meandros aqui bordejam a Serra dos Cochos. Um pouco mais de paisagens rurais, um contorno suave do vistoso Morro da Pedra Branca e, num último arranque, vinte e um quilômetros adiante de Consolação, chegávamos à movimentada Paraisópolis, a 960m de altitude e com 20 mil habitantes, próxima ao vale do rio Sapucaí-Mirim. Para não perder o costume, e também por estarmos no Caminho da Fé, registramos sua igreja matriz, construída em 1910, cuja praça de acesso a sua entrada é pontilhada por esculturas de madeira homenageando os apóstolos bíblicos.
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Consolação |
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Ponte sobre o rio Capivari |
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Serra dos Cochos |
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Matriz de Paraisópolis |
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Luminosa |
De Paraisópolis saímos novamente pela MG-295, mas por poucos metros. As setas amarelas, nossas sempre gratas cicerones, nos emborcaram em uma estrada de chão batido que, sobre altas altitudes, nas escarpas das serras do Daniel e dos Pereiras, nos trouxeram de volta ao Estado de São Paulo. Mal passáramos o marco divisório, contudo, e já voltávamos a Minas Gerais, visto ser o Estado paulista um bico estreito neste ponto, tendo não mais do que 6km de oeste (sentido que vínhamos) a leste. No regresso rápido a Minas, descemos serpenteando a Serra da Candelária até o pequeno povoado de Luminosa, distrito de Brazópolis, terra onde o povo ainda é simples, pacato e te cumprimenta com um “oba” e um aceno. Acho que, na verdade, o mesmo compadeceu-se de nossa aventura. Afinal, o trecho seguinte seria o mais contundente de toda a incursão. A estrada de terra que, saindo de lá, se mostrava despretensiosa, foi se elevando, estreitando e, num ponto chamado de Serra da Coimbra (que na verdade é a Mantiqueira, mas a ela dão essa designação por aqui), havia tantas pedras que as motos praticamente saltavam de uma para outra. Some-se a isso os desfiladeiros à direita que, profundos a perder de vista, ameaçavam dragar-nos caso nos desequilibrássemos. Lembrei-me de quando nos disseram que motociclista não é peregrino. Nesse ponto, acredito, um motociclista certamente pena mais que um pedestre. Questiúnculas à parte, abrimos uma porteira e chegamos ao topo da serra, de novo na divisa entre Minas Gerais e São Paulo. Saíamos de Minas agora para não mais voltar. Iniciar-se-ia ali, às 13h, a parte conclusiva de nossa incursão rumo a Aparecida. Ainda tínhamos, porém, uma carta na manga, ou uma carta fora da rota, como costumo dizer. Gratificantemente o tempo (a sobra dele) estava ao nosso lado.
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Adeus, cidadãos mineiros |
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Subindo a Serra da Coimbra |
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Cachoeira do Toldi |
Thiago e eu há muito tempo, em conversas sobre futuras pequenas viagens, sempre colocávamos a Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí, como uma de nossas profícuas opções. Quando estudamos o Caminho da Fé, semanas antes de estarmos materialmente nele, notamos que a Serra do Baú, onde a pedra homônimo é ponto culminante, seria facilmente acessível a partir dele, obrigando-nos a um desvio de apenas 9km, descendo a asfaltada Estrada Municipal Paiol Grande-Campista. Não sabíamos, entretanto, se disporíamos de tempo hábil para tal, já que os 80% de inexoráveis estradas de chão do Caminho da Fé tomam boa parte do nosso tempo. Como a aventura teria que ser terminada impreterivelmente no dia seguinte, arriscamos esse desvio para desfrutar da vista dos 1950m de altitude da Pedra do Baú, cujo tupo é acessível por duas faces, uma leste e uma oeste, verticalizadas. Escadas de ferro cravadas no granito úmido da montanha em forma de caixa auxiliam a subida, mas não há qualquer tipo de segurança além disso. Um deslize pode ser fatal. Volta e meia há notícias de algum cidadão desafortunado que morre no local. Os mais precavidos sobem com a ajuda de cadeiras de alpinismo ou rapel e mosquetões. Lá de cima vê-se o relevo intrincado e ruralizado do sul mineiro e do norte paulista, a cidade de Campos do Jordão, Pindamonhangaba e São Bento do Sapucaí, bem como um morro um pouco mais baixo, praticamente grudado ao do Baú. Trata-se do Bauzinho. Descendo, pela face oeste, outro ainda menor: a Pedra da Ana Chata, pontiaguda feito uma pirâmide. Levamos cerca de uma hora para subir e pouco mais de trinta minutos para descer. Fim do momento bônus. Hora de regressar ao Caminho da Fé.
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Pedras do Baú e Bauzinho |
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Vista do alto da Pedra do Baú |
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Pedra da Ana Chata |
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Campos do Jordão |
Subindo de volta pela sinuosa Estrada Municipal Paiol Grande-Campista, rumamos para o leste, sentido Campista. Existe uma cachoeira visível dessa via, a do Toldi, parecendo cair do meio de pinheiros montanha abaixo, atritando-se com a encosta rochosa da Mantiqueira. Daqui para frente são 9km de asfalto, o que nos fez olvidar momentaneamente o perrengue da subida pela Serra da Coimbra. No bairro Campista, pertencente a Campos do Jordão, as setas amarelas nos jogaram para uma estrada barrenta, lisa e úmida por cortar um naco de mata atlântica. Quinze quilômetros depois éramos assolados pelos 6º C do começo de noite de um dos locais mais turísticos (e portanto caros) do Brasil: Campos do Jordão. Ainda tivemos tempo de registrar a Igreja de Santana antes de rodarmos praticamente a cidade toda à caça de um local para pernoitar. Infelizmente não parecia haver ninguém na única pousada credenciada ao Caminho da Fé e, para o nosso desespero, fomos obrigados a desembolsar uma quantia que não estamos habituados. Não há pouso barato por aqui, ou nada barato, por assim dizer. É o preço que se paga por ser tupiniquim em uma cidade de padrões europeus. Meu ódio só não me maximizou devido ao efeito analgésico do frio dos 1600m de altitude. Dormir na praça não era uma opção. Nem bem deixáramos Minas Gerais e já sentíamos saudades. Também, um Estado onde o povo é receptivo e R$20,00 fazem a festa, não poderia avivar outros sentimentos.
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Pedra do Baú vista do Mirante do Pau Arcado
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Caminho de Aparecida entre Campos do Jordão e Guaratinguetá |
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Sanhaçu-de-fogo na Mantiqueira |
Eis o dia 29. Com as motos carregadas e abastecidas, deixamos a onerosa Campos do Jordão pela Avenida Paulo Paiva. Aqui faço uma ressalva: o traçado original do Caminho da Fé, a partir desse ponto, segue todo por asfalto, passando por Piracuama e Pindamonhangaba. Acompanha, em um trecho, os trilhos de uma ferrovia. Somente a pé, portanto, é possível prosseguir. Fizemos o que grande parte dos ciclistas faz. Acessamos uma estrada de terra, no fim da avenida supracitada, que é parte integrante do Caminho de Aparecida, outra rota religiosa proveniente da região do Lago de Furnas, em Minas, com término em Aparecida. Além dessa via alternativa ser exuberante e fiel a nossa proposta de evitar o asfalto, deu-nos uma ideia para uma outra incursão futura. Passando por chapadões e mirantes magníficos, como o do Pau Arcado, com vista para a Serra do Baú, entrecortamos o Parque Estadual de Campos do Jordão, uma área remanescente de mata atlântica. Na porção leste da Serra do Gomeral, a quase 2000m de altitude, via-se na planície, lá embaixo, um mar branco que camuflava toda a região entre as serras da Mantiqueira e da Bocaina. Estávamos literalmente sobre as nuvens. E como tudo o que está no alto um dia tem que descer, assim o fizemos pela famigerada Estrada das Pedrinhas. Mais traiçoeiras que as curvas em formato de cotovelo era o pedregulho solto, a exemplo da subida Luminosa-Campos do Jordão no dia anterior. Na planície, terminada a descida, reencontramos o asfalto e rapidamente chegamos a Pedrinhas, bairro de Guaratinguetá, fotografando a última igreja de pequeno porte do Caminho da Fé (Caminho de Aparecida, na verdade), a de Nossa Senhora da Piedade. A próxima seria uma megalômana da arquitetura brasileira. De novo pelo asfalto, a partir de Pedrinhas, beiradeamos o rio Paraíba do Sul, observando o Santuário de Nossa Senhora de Aparecida entre a neblina. Aí veio a última cidade antes de Aparecida: Potim. Cruzamos o rio por uma ponte e rapidamente estacionávamos no santuário mediante uma taxa de R$10. São os últimos reais investidos para quem trilha o Caminho da Fé sobre duas rodas.
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No alto da Serra do Gomeral |
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Pedrinhas |
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Santuário de Nossa Senhora de Aparecida visto de Potim |
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Basílica Nova de Aparecida |
Para me manter fiel ao que vem sendo relatado no decorrer do texto, informo aqui a altitude de Aparecida: 600m. Cem metros a menos, portanto, que Tambaú, local de início de nossa “peregrinação”. Vale reiterar que principalmente no sul mineiro e na Serra da Mantiqueira atingimos altitudes entre 1000m e 2000m, um dado a ser relevado por quem pretende, sem a ajuda de algum motor, vencer o Caminho da Fé. Malgrado toda essa faina, apeamos ilesos no maior santuário do mundo dedicado a Nossa Senhora de Aparecida, e também o segundo maior templo católico de todo o planeta, com 23 mil metros de área construída. É uma basílica em forma de cruz grega tão grande quanto a fé dos 10 milhões de romeiros que anualmente a visitam. Muitos chamam a pequena cidade que o alberga de Aparecida do Norte, isso devido a uma estação ferroviária construída por aqui na sétima década do século XIX por nome de Estrada de Ferro do Norte. Tonico e Tinoco, já no século XX, imortalizaram esse nome popular em uma de suas canções. O certo é que não há como não se impressionar, mesmo sendo ateu, com uma obra tão grandiosa como essa. As fotos não dão a dimensão exata da altura de sua torre, por exemplo. São 18 andares distribuídos por 100 metros de altura, sombreando um templo capaz de abrigar 70 mil pessoas de uma só vez. Enfim, está explicado porque o Caminho da Fé aqui se encerra. É, comprovadamente, a obra católica nacional de maior expressão, e que nos últimos dias havia ganhado um maior destaque devido à visita do papa Francisco. Para nós, não muito ligados a esses dados, foi o desfecho dos 427km desde Tambaú, sendo mais de 80% do trecho em estradas de terra, trilhas estreitas, pedra, lama, charcos e pontes deterioradas. Nossa fé amorfa vencera o Caminho da Fé. Era hora de regressar.
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Detalhes da arquitetura da Basílica Nova |
A volta se deu pela rodovia Dutra até a altura de Taubaté, onde acessamos a Carvalho Pinto. Essa larga e expressa via nos levou até a Dom Pedro II, de características semelhantes, mas conhecida por “pilhar” condutores de veículos com seus extorsivos pedágios. Enquanto retornava eu me lembrava dos incontáveis apuros no sul mineiro, que no momento nos geraram demasiada tensão e que, hoje, recordamos com um sorriso. Recordei-me também do motivo pelo qual permaneço viajando sobre duas rodas por todos esses anos, mesmo vendo amigos morrendo, se acidentando gravemente ou amorfinizando seu veio motociclístico em prol de uma vida mais familiar, ortodoxa e aparentemente mais feliz e menos cansativa. Permaneço assim por simples e pura relutância ao comodismo, pois somente assim posso fazer algo realmente discrepante do senso comum, como chegar onde poucos chegaram. Ver o que poucos viram. Permaneço assim pela fé.
E abaixo, um blues composto exclusivamente para o Caminho da Fé e inspirado por uma de suas frases inspiradoras. “Não há caminho. Faz-se caminho ao caminhar”.