terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Americana, Pirassununga e Descalvado – 24 e 25 de dezembro de 2011


Imiscuo-me na história do meu povo, da minha cidade, região, Estado e país. Não nego os sentidos arraigados neste “projeto” da natureza chamado raça humana, sempre em constante desenvolvimento, e transformo-os todos em meios de aproximação do meu corpo com o organismo Terra, este também em constante evolução darwinista. Enquanto alguns preferem negar as próprias percepções, sentimentos e instintos, prefiro avivá-los, aproximando-me do ideal de ser humano que sempre devaneei: um animal realmente racional, sensível, submisso a um poder maior – a Natureza – mas ao mesmo tempo integrado à sua dinâmica. Recordo-me dos ensinamentos de Marx e Engels, quando começaram a perceber que a humanidade se enviesava a um caminho alienatório ao invés de a um caminho emancipatório: o mundo, sem o ser humano, consegue se manter. E o homem sem o mundo?
A primeira parte: Americana
Esta viagem, levada a cabo num momento festivo para a cultura ocidental, pode ser dividida em duas partes: uma despretensiosa e outra nem tanto. No dia 24, por exemplo, após uma descontraída reunião em minha casa, regada a cigarros de palha (“paiêros”), cachimbo e blues, Luiz Paulo Blanes, Éwerton Cunha e eu partimos em uma cruzada pela parte norte do território de Americana, mais precisamente nas áreas limítrofes com os municípios de Cosmópolis e Paulínia, com vistas a conhecer alguns recônditos do Rio Jaguari, que juntamente com o Atibaia formam o Rio Piracicaba, também em Americana. No dia 25, como já acordado durante a semana anterior entre Luiz e eu, dirigimo-nos à zona rural de Pirassununga e ulteriormente a Descalvado, infelizmente sem a presença de Éwerton, intentando encontrar duas grandes cachoeiras que, apesar de próximas, são pouco conhecidas na região.
O Jaguari e restos da Funilense
Sob o sol forte do dia 24 deixamos meu domicílio, sobre nossas motocicletas, em direção ao Salto Grande, bairro de Americana com um peso histórico significativo. Dele se ramifica uma rodovia secundária que une a cidade a Cosmópolis e Paulínia, a qual adentramos. Sempre com a Represa de Salto Grande ao lado direito da paisagem, vagarosamente trilhamos por entre o mar de cana-de-açúcar, passando por duas rotatórias que nos direcionam às cidades supracitadas. Rumamos sentido Paulínia. Ao avistarmos uma plantação de soja ainda em fase de florescimento, deixamos o asfalto e nos embrenhamos por uma estrada de terra, alcançando em alguns minutos uma vegetação mais fechada. Chegávamos às margens do rio Jaguari que, com suas águas barrentas e força, nos presenteou com um cenário que, além de belo, descobrimos ser também histórico, graças ao nosso companheiro Éwerton, praticamente um especialista da história das ferrovias no Estado de São Paulo.

Salto a partir dos pilares da antiga Cia Carril Funilense

Pegada de capivara
O rio Jaguari nasce na Serra da Mantiqueira, no Estado de Minas Gerais, e no local em que o interpelamos está a aproximadamente cinco quilômetros de sua foz. Uma cachoeira no estilo “corredeira”, de talvez quatro metros, desce ferozmente por entre rochas naturais e resquícios de bases de colunas de concreto. Luiz, que chegou a saltar em meio ao turbilhão de água ao pé da queda, acreditava ser estas estruturas vestígios de uma antiga barragem, o que não foi corroborado por Éwerton. Segundo ele, a presença de vigas de ferro incrustadas nas estruturas de concreto são remanescências de uma ponte férrea que passava por ali com sentido a Cosmópolis, sobre o rio, o que foi confirmado por pesquisas posteriores. A linha, construída pela Cia Carril Funilense em 1899, partia de Campinas e cessava em Barão Geraldo de Rezende, atual Cosmópolis. Foi incorporada a Sorocabana em 1921 e fechada 39 anos depois, tendo seus trilhos arrancados. Esta é uma parte de minha cidade que eu desconhecia. A beleza do lugar e sua bagagem histórica muito nos impressionou. Há de se ressaltar, ademais, a fauna que subsiste às margens do rio. Observamos garças-mouras, savacus e, ao retornar às motocicletas, pegadas de capivaras.
Quebra-popa do rio Jaguari
Após uma homeopática dose de conhecimento sobre nossa própria cidade, deixamos esta altura da orla do Jaguari para encontrarmos uma outra, já mais próxima à confluência com o Atibaia. Voltamos via asfalto até uma estrada, parelha a uma pedreira do Salto Grande, que em meio aos canaviais de Americana nos direcionou a uma mata mais fechada, nas proximidades do Aterro Sanitário. A terra traiçoeira exigiu muito esforço de nossa parte. Éwerton atolou uma vez e tivemos que ajudá-lo a movimentar sua motocicleta, que não ia para frente nem para trás. Alcançamos a margem do Jaguari novamente, após uma breve trilha a pé e, para o nosso espanto, o volume de água do rio nesta altura de seu curso era temível. O interessante, na verdade, era um caminho de rochas engruvinhadas que se estendia de uma margem a outra, formando uma espécie de cais que atravessa 80% do rio, ou uma semibarragem natural. Os pescadores nomearam este local de “quebra-popa”, já que muitos barcos sofreram avarias devido às rochas que se camuflam rasamente sob a característica água barrenta do rio. Este é outro “paraíso” em Americana que poucos moradores conhecem. O que mais admirei aqui, na verdade, foi a vegetação relativamente bem preservada das margens e aquela silenciosa tranquilidade somente sentida nas beiras de rios muito remotos, o que não é o caso deste.

Formações rochosas que praticamente atravessam o rio Jaguari

Antiga Usina São José
De volta ao Salto Grande, mais precisamente à ponte sobre o rio Atibaia, atracamos as motocicletas à sombra e circundamos o Casarão do Salto Grande, localizado na antiga – e escravagista – Fazenda Salto Grande. Foi transformado em museu pedagógico, mas danos em suas estruturas obrigaram a prefeitura a interditá-lo. Já faz um tempo que suas portas estão fechadas, e me parece que nenhum esforço vem sendo empregado na tentativa de reabri-lo ao público. É um caso bem diferente do da Fazenda Santa Maria do Monjolinho, em São Carlos, na qual tudo é preservado para o estudo desta época obscura da história brasileira. Lamentos à parte, fotografamos a antiga Usina São José e suas imponentes chaminés. A degradação do rio Atibaia foi o que mais me chamou a atenção. Do ponto onde deixamos nossas motocicletas, são 200 metros de caminhada até chegarmos à confluência do mesmo com o Jaguari. Isso significa que o Piracicaba, o maior afluente do Tietê, se principia aqui.
Casarão do Salto Grande
O despretensioso dia 24 assim se encerrou. Despedi-me de meus camaradas que, pela Anhanguera, seguiram para seus lares. Não obstante, no dia 25, logo pela manhã, Luiz Paulo e eu nos reunimos para uma nova empreitada, esta programada a alguns dias. Mesmo com a relutância de nossos amigos, que tentaram nos dissuadir da ideia de viajar nesta data, partimos de Americana em busca de duas cachoeiras nas redondezas da cidade de São Carlos, a aproximadamente 130km de nossa cidade natal. Partimos pela Rodovia Anhanguera até Pirassununga, na qual acessamos um viaduto e a SP225, com sentido a Analândia. Permanecemos nesta rodovia por cerca de 10km, momento no qual nos embrenhamos por uma estrada de terra rumo ao coração da zona rural das cidades de Pirassununga e Analândia, e na qual, segundo informações que eu detinha, esconde uma grande queda d'água que até mesmo os pirassununguenses e analandenses desconhecem.

Poucos metros abaixo desta ponte se encontra a cachoeira Monte Sião

Cachoeira Monte Sião
É muito fácil nos perdermos em estradas de terra. Sem placas indicativas, andamos em círculos por vários minutos. Fomos obrigados a parar em uma sítio para nos situarmos. Informados pelo sitiante, colocamo-nos no caminho correto e descemos por uma estrada arenosa, em direção a um vale, no qual trespassamos uma ponte de madeira. Sobre ela já era possível escutar o barulho da cascata. Sabíamos, mediante pesquisa prévia, que muitos roubos acontecem nesta área. Resolvemos, então, descer com todas as tralhas, o que dificultou a descida a pé pela trilha até a base da cachoeira. Pedras escorregadias, pirambeiras e barro hostilizavam o caminho, mas sem muitas delongas o vencemos. A cachoeira de Monte Sião, com 30 metros de esplendorosa queda, finalmente nos contemplaram com sua singular maneira de ser influenciada pela gravidade. Do lado esquerdo a água cai mansa, enviesando-se pelos sulcos do paredão do vale; do lado direito cai em queda livre, deixando um espaço praticamente vago entre o véu e o paredão.
"Ducha" natural
O dia, quente, era convidativo para um banho. Adentramos a queda, escorregando algumas vezes até alcançarmos o ponto de choque entre a água e as rochas, e garanto nunca ter estado em uma cachoeira de temperatura tão morna quanto esta. A força da queda, que de longe assusta, não é tão violenta quando golpeia o corpo, o que a torna uma cascata ideal para pessoas de qualquer idade e condicionamento físico. No espaço entre o paredão e o véu, que quase não chega a molhar, presenciamos um fenômeno inusitado: alguns feixes menores da queda se chocam com as pedras, formando gotículas que sobem e ficam presas entre os feixes maiores, flutuando e bailando como enxames de insetos frenéticos. Infelizmente não tive como fotografar tal efeito. De fato, foi difícil até mesmo fotografar a cachoeira de longe, visto que os vapores de água, somados ao vento, gotejavam a lente da câmera constantemente. Luiz Paulo, que geralmente não verbaliza suas impressões, desta feita aventou odes a Monte Sião.

Monte Sião vista do curso d'água

Coruja-buraqueira
De volta às motocicletas, iniciamos a parte mais árdua da viagem: encontrar o caminho, por entre o labirinto de estradas de terra que cortam plantações de soja, laranja e cana-de-açúcar, para Descalvado, cidade que abriga outra cachoeira que pretendíamos conhecer. Rodamos por muito tempo sem avistarmos pessoa alguma, o que nos desnorteou acima do usual. Felizmente um pequeno caminhão, guiado por um sitiante local, cruzou o nosso caminho. Solicitamos informações e, sem perder a Serra do Descalvado de vista, já perceptível ao longe, trilhamos pelas perigosas estradas arenosas e repletas de poças d'água. O cansaço de pilotar em terreno tão acidentado e pesado foi recompensado pela visualização de inúmeras aves, como seriemas, corujas-buraqueiras e carcarás, e pequenos répteis que ocasionalmente cruzavam a estrada. Consegui fotografar apenas uma coruja-buraqueira. Frustrado, voltei a utilizar minha câmera somente quando nos aproximávamos do asfalto de Descalvado. A Serra do Descalvado – que apesar do nome não é desprovida de vegetação – e sua altitude de 900m pareciam ondas estáticas ameaçando desabar sobre nossas cabeças.
Serra do Descalvado
Uma vez no asfalto de Descalvado, poderíamos seguir em direção a São Carlos, mas não sabíamos a exata localização da cachoeira Salto do Pântano, que pretendíamos conhecer. Preferimos, então, coletar coordenadas no centro da cidade, o que não surtiu muito efeito. Aos olhos dos moradores que interpelamos na cidade, não há cachoeira alguma dentro do território de Descalvado. Perguntamos a um frentista de um posto de combustível, e duvidosamente o homem nos indicou o caminho. Era o que tínhamos. Tivemos que nele confiar. Como bons alquimistas da estrada, seguimos nossas intuições. De volta à rodovia, rumamos a São Carlos. Após um vertiginoso declive, abandonamos o asfalto para estrear a terra de Descalvado. Sempre em frente, transpassamos, depois de 3km, uma ponte sobre o Rio do Pântano. Os ruídos de uma enorme e potente queda já eram perceptíveis. Novamente era chegada a hora de nos separarmos de nossas motocicletas e descer a pé um profundo vale.

Altitude de 900m

Salto do Pântano
A trilha, íngreme e castigante, apesar da ajuda de degraus de concreto, foi vencida lentamente. A quiçaça alta, próxima à cabeceira da cachoeira, cortou meu rosto e, além disso, quase me fez perder o chão, caindo ribanceira abaixo. De uma árvore de tronco diagonal já podíamos ver os 42 metros de queda do Salto do Pântano. A água, barrenta como a do Rio Jaguari, procura torrencialmente, com a ajuda da gravidade, o piso do vale, este adornado por lírios-do-brejo que certamente nunca terão a sensação de estarem secos, uma vez que o vapor de água resultante da queda tem um poder de alcance impetuoso. Para se ter uma noção da força da água, só consegui fotografar a cachoeira, sem a petulância das gotículas afrontando a lente da câmera, de uma distância superior a 100m. O meu medo de águas torrenciais – não sou um exímio nadador – e a gripe de Luiz Paulo nos dissuadiu do intento de nos banharmos nesta cachoeira. Espero ter registrado com um mínimo de maestria esta admirável queda.
Luiz e Dom Lino
Subir pela trilha foi bem mais desgastante do que descer. Sobre a ponte do Rio do Pântano tentávamos sorver o ar úmido da mata ciliar, objetivando esfriar nossos corpos que se desfaziam em sudorese. Conversamos com um motociclista que aguardava um amigo no local, enquanto isso. Solicitamos coordenadas para outras cachoeiras locais, mas o cidadão não soube nos informar os caminhos que nos levariam a elas. Nem mesmo na internet consegui informações, o que lamento bastante. Não gosto de partir de uma cidade sabendo que deixei possíveis visuais marcantes para trás. Pesquisando, descobri que o verdadeiro nome do Salto do Pântano é Salto Dom Lino, em homenagem ao bispo Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, que em 1883 se encantou com a queda d'água. Aprender História viajando é um dos meus maiores prazeres nesta mesquinha vida pontilhada de fúteis informações. Digo, sem medo de parecer presunçoso, que tenho pena de quem não quer conhecer nossos recursos naturais e nossa História, ou de quem prioriza apenas um destes. A práxis, a meu ver, é talvez o que mais tenha meios de possibilitar uma apoteose humana. Esta foi a parca conclusão a que cheguei enquanto retornava pela Anhanguera, findando os 310km de Natal, data que para mim seria insignificante se eu não estivesse na estrada.
Ela, La Bela Luna, não está aqui. O mundo, este sim, está. O seu tamanho, a sua abrangência, os seus recônditos me atraem. Como um agente deste planeta me incumbo da missão de fazer alguns verem o que a pusilanimidade os impossibilita. Eu, longe de ser um exemplo de ser humano, “comprei uma briga” da qual não consigo mais me desvencilhar, por mais que tente. Meu coração, eivado de sentimentos abstratos, vai adquirindo sensações concretas no decorrer de minhas experiências palpáveis. Preciso de ambos para manter a sanidade. Pergunto, para finalizar, e agora com medo de ser redundante: o mundo, sem mim, se perpetua. E eu sem o mundo?


Mais fotos aqui.

E abaixo um blues, gravado por Mr. Shadow em um momento de descontração pouco antes de partirmos para o rio Jaguari, no dia 24. Foi composto inicialmente para La Bela Luna, mas o estendo aos locais que conhecemos nesta curta incursão.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Delfim Moreira, Rio de Janeiro e Parque Nacional da Serra dos Órgãos – de 02 a 06 de dezembro de 2011


Assim como o egoísmo humano, o planeta é inexorável. Não nos é permitido conhecer sempre o que bem entendemos. O topo de uma montanha pode estar encoberto por uma densa neblina, impossibilitando-nos de vê-lo. Este é apenas um – mas bom – exemplo de como a liberdade não depende exclusivamente do ser que a aspira. Sua busca está intimamente ligada, também, ao que a natureza prerroga. A grande sacada de quem enxerga o mundo como um organismo cuja perpetuação independe do ser humano, portanto, é o dar vazão a um sentimento de pequenez, de total submissão a um poder maior, que muitas culturas chamam de Deus, e que eu chamo de Natureza. Quando se aprende, na prática, a respeitar as intempéries, a dinâmica das estações e a imponente jactância – a meu ver benigna, ao contrário da truculência das pessoas – da Mãe Terra, pode-se sentir menos preso, mesmo que saibamos ser a liberdade, de fato, uma utopia.
A estrada, a serra e as saudades
Alguns pormenores tornaram esta viagem de “fora de época” uma aventura de sentimentos contraditórios. Pela primeira vez em algum tempo deixei algo para trás, que me instava a ficar, e sentir saudades na estrada pode ser perigoso, principalmente nas implacáveis curvas das serras do Mar e da Mantiqueira. Contudo, o desejo de conhecer novos lugares ainda é minha característica mais marcante, e não me reconheceria se recusasse o convite de Levi Vieira para uma incursão pelo Estado do Rio de Janeiro. Desde o começo foi ideia dele nos dirigirmos aos pontos que relatarei no decorrer desta postagem. Intervim apenas na rota de ida, em que tentei encaixar uma rápida passagem por Delfim Moreira, no querido Estado de Minas Gerais. Levi, que desde criança sonhava em subir ao Corcovado, se encarregou do resto, mesmo não sabendo absolutamente nada sobre as estradas que nos levariam aos desejados destinos. Precisava de mim. Eu, por minha vez, carecia de me livrar do estigma de ter que pensar em tudo o tempo todo. A dupla era, portanto, promissora.
Ouro Fino/MG
Partimos de Sumaré com o sol a pino, já na segunda metade de um 02 de dezembro em que a ansiedade de partir bradava e me exortava a abandonar o trabalho ainda no período da manhã. Sabíamos que não alcançaríamos a capital do Estado do Rio de Janeiro no mesmo dia. Sem premências, então, trilhamos vagarosamente pelos caminhos que nos levariam a Delfim Moreira, em Minas Gerais, distante cerca de 300km de Sumaré. Neste município, que faz divisa com o Estado de São Paulo, pernoitaríamos. Enfrentamos a Anhanguera, um curto trecho da Dom Pedro e a Rodovia Adhemar Pereira de Barros, de onde acessamos Itapira. Após esta última cruzamos a divisa São Paulo/Minas Gerais, passando por Jacutinga e pelo menino da porteira de Ouro Fino, ainda altivo, que enfeita o portal da cidade e nos faz recordar a consagrada canção composta por Teddy Vieira e Luizinho e imortalizada na voz de Sérgio Reis. Fizemos uma rápida visita ao Cruzeiro, na parte alta da cidade, e continuamos rumo a Pouso Alegre, atravessando Borda da Mata. Transpassamos um viaduto sobre a Fernão Dias e seguimos pela BR459, passando por Santa Rita do Sapucaí, Piranguinho e Itajubá. Demoramo-nos um instante no acesso para Delfim Moreira, já que uma montanha de pedra, de grandes proporções, oferecia um belo descanso visual aos nossos olhos cansados, que haviam visualizado até então somente mesclas de planícies, pastagens e pequenos morros. Estávamos na Serra da Mantiqueira. Tudo começaria a ficar mais interessante a partir deste ponto.

Elevação rochosa próxima a Delfim Moreira

Delfim Moreira/MG
Ao adentrarmos Delfim Moreira, cidade de dinâmica vagarosa, do jeito que mais aprecio, com apenas 8000 habitantes, o sol fez suas malas e partiu, cedendo seu ponto nos céus às nuvens cinzentas que banham com veemência o solo da Mantiqueira. Incontinenti nos encapuzamos e principiamos o procurar de um pouso para a noite. Hospedamo-nos em uma pousada próxima a antiga estação, e o proprietário, Rômulo, nos ofereceu quartos e refeições a um preço que somente em Minas Gerais podemos encontrar. Este é um dos motivos pelos quais Minas Gerais é o meu Estado do coração. Além do pouco dinheiro que gastaríamos, pretendíamos deixar Delfim Moreira com fotos de belíssimas cachoeiras e visuais marcantes. Tendo isso em mente, coletamos informações com Rômulo e saímos, a pé, à caça da trilha que nos levaria à cachoeira de maior destaque da cidade: Itagybá.
Cachoeira de Itagybá
A trilha para a cachoeira de Itagybá parte da rua principal de Delfim Moreira. Uma íngreme subida, por casas humildes e chácaras locais, em estrada de terra, foi vencida com alguma dificuldade. Localizamos dois pilares de tijolos à vista, resquícios de um antigo portal de sítio, e por ele nos embrenhamos em meio à mata. Os ruídos da queda d'água já eram perceptíveis. Em uma bifurcação pegamos o viés errado, chegando a um local que talvez tenha funcionado como usina. Retornamos alguns metros e nos colocamos no caminho correto. A chuva cessara, mas as pedras escorregadias me levaram ao chão algumas vezes. Minha câmera, em um destes deslizes, se chocou com uma rocha e teve o visor trincado. Findamos o percurso e, para o nosso azar, a geografia do local nos permitia apenas observar a cachoeira de longe. Mesmo com todos esses empecilhos, não deixamos de admirar e fotografar a queda de talvez 40 metros e toda a luta da água do Ribeirão Taboão para encontrar seu caminho entre o pedregoso leito da serra. A chuva que caíra torrencial, uma hora antes, aumentou drasticamente o nível da água. Em seu nível normal, poderíamos atravessar o ribeirão e fotografar a cachoeira de um ângulo melhor. Contudo, não foi possível.

O vigor de Itagybá e do Ribeirão Taboão

Parte baixa de Boa Esperança
A noite caía. Regressamos ao pouso e tomamos conhecimento, novamente com Rômulo, de uma outra cachoeira, bem mais afastada do perímetro urbano de Delfim Moreira. No dia seguinte, logo pela manhã, saímos à caça da mesma, despedindo-nos de Rômulo. Voltamos à estrada que dá acesso à cidade e rumamos a Piquete. Porém, pouco antes da divisa Minas Gerais/São Paulo (a segunda da viagem) adentramos uma estrada de terra, de cerca de 8km de extensão, que nos direcionou a uma outra de asfalto, na qual voltamos alguns quilômetros com sentido a Itajubá. Seguindo as placas da Fazenda Boa Esperança, acessamos outra estrada de terra, esta mais perigosa, e depois de 6km e algumas informações adicionais de transeuntes nos deparamos com a parte baixa da Cachoeira Boa Esperança. Um riacho largo com pedras de 3 ou 4 metros de altura pelas quais escorre uma pequena quantidade de água, vinda da parte alta da cachoeira. A água, bem mais translúcida do que a de Itagybá, nos convidava a um banho, mas a temperatura baixa da manhã da Serra da Mantiqueira nos instou a abdicar deste prazer.
Parte alta de Boa Esperança
Da margem esquerda da cachoeira partia uma trilha, em meio a pinheiros, que nos direcionava à parte alta de Boa Esperança. Esta, bem mais interessante que a baixa, consistia em dois degraus de rochas com três quedas distintas, num total de 12 a 15 metros. Essa é uma daquelas cachoeiras em que a água escorre, mansa, atritando com as pedras como se quisesse aproveitar cada segundo desta fugaz simbiose. Sem dúvidas, a paisagem é magnífica. O que me quedou lacônico, não obstante, foram os já citados pinheiros às margens do ribeirão. Com o passar do tempo, a cíclica extração e replantação destas árvores influenciará negativamente a natureza destas águas. A meu ver, um trabalho de recuperação da mata ciliar deveria ser levado a cabo, mesmo que a cachoeira esteja em uma propriedade privada. Por não estar com o meu tripé, não obtive uma fotografia digna do garbo de Boa Esperança. Após momentos de estupefata contemplação, em que aquele sentimento de misantropia é avivado por estarmos sozinhos em contato com a “selva”, deixamos a queda para prosseguir viagem. Era chegado o momento de nos despedirmos de Minas e desbravar o Estado do Rio de Janeiro.

Preservar a mata ciliar é preciso

A Serra da Mantiqueira
De volta à estrada de asfalto, rumamos à divisa Minas Gerais/São Paulo. Descemos a Serra da Mantiqueira até Piquete, cidade pequena mas bastante movimentada. Como cidades não me aprazem, e sim as paisagens que nos levam a elas, não deixei de admirar, de um mirante no acostamento, juntamente com o meu camarada Levi, a forma dos dentes de um serrote de uma cadeia de montanhas que, em uma outra oportunidade, certamente será alvo de uma análise mais minuciosa – o pleonasmo aqui é facilmente perdoável – de nossa parte. Chegamos a escalar uma pedra de 15 metros de altura para gozar de uma vista mais panorâmica, e fomos surpreendidos com a profundidade do vale e com o desenho da estrada que serpenteia serra abaixo. Muitos dizem amar o litoral, mas eu, do alto de minha “selvageria”, prefiro a complexidade dos contornos da serra, dos tons de verde da mata avivados pela incidência (ou não) da luz solar, da imponência das elevações e formações rochosas e da limpidez das nascentes de rios que brotam no alto das montanhas.
Chegando a Piquete
De Piquete acessamos a famosa (por suas desgraças) Dutra. Por ela a monotonia é a tônica. Os momentos de emoção são raros, e quase sempre de emoções negativas. Somos extorquidos a cada 50 quilômetros por abusivos pedágios. Com todo o capital gasto na ida e na volta, por esta rodovia, daria para se chegar a Bahia e conhecer um pedaço a mais deste imenso Brasil. Infelizmente cobramos cultura do povo brasileiro, chegando a proclamá-la acessível a todas as classes sociais. Entretanto, basta viajar um pouco, e não para muito longe, para perceber que “encurtarmos as distâncias” para os menos favorecidos com melhores rodovias, mas ao mesmo tempo as inviabilizamos financeiramente para que apenas uma seleta elite consiga trafegar sobre as mesmas. Eu, que cobrava de meus alunos o conhecimento prático somente obtido em viagens, hoje jazo desamparado pela realidade de nossas estradas. Apesar de tudo, num daqueles raros momentos de emoção na Dutra, dos quais havia me esquecido devido a esse desabafo, com o beneplácito de meu lado crítico e pseudorrevolucionário, descemos a bela Serra das Araras, já nos aproximando do Rio de Janeiro.

Cristo Redentor envolto na neblina

Quati aos pés do Cristo
Chegamos ao Rio de Janeiro. Pela Avenida Brasil seguimos em direção a Ponte Rio-Niterói. O sonho de menino de Levi estava prestes a se concretizar, e as placas indicatórias dependuradas sobre a via pareciam iluminar o caminho. Antes da ponte pendemos para a direita. Cruzamos boa parte da cidade e nos deparamos com Copacabana e seu irrefreável movimento de turistas. Não apetecidos pela praia, rumamos ao Corcovado, passando, no caminho, pela Lagoa Rodrigo de Freitas e por um túnel que não me recordo o nome. Fomos recepcionados, sob um viaduto, por um agenciador responsável por nos levar à portaria do Parque Nacional da Tijuca, contraditoriamente a maior reserva florestal dentro de uma cidade do mundo e o menor parque nacional brasileiro, e onde está edificado o Cristo Redentor. Pagamos uma taxa de 40 “cruéis” e, de van, subimos ao pé do Cristo. Logicamente o local atrai turistas de todo o mundo, visto ser o cartão-postal do Brasil. As línguas mais faladas eram o alemão e o inglês, mas não era difícil escutar o japonês e dialetos do Oriente Médio. O que me chamou mais atenção, no entanto, foram os quatis, ligeiros, que fuçavam entre as gramíneas procurando alimento.
Vista do Cristo Redentor
Até então víramos as espáduas do Cristo, monumento inaugurado em 1931 e com 38 metros de altura, hoje considerado uma maravilha do mundo. Contornamos sua base e o encaramos por alguns momentos, já que a neblina começou a envolvê-lo. Ao lado de um iraniano, que loucamente tentava fotografar a si mesmo de braços abertos com Javé ao fundo, contemplei a vista da cidade do Rio de Janeiro a uma altitude de 709 metros acima do nível do mar. Mesmo com o tempo cinza, era possível visualizar o oceano atlântico, as praias, a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Jóquei Clube e as edificações próximas à praia. Muitas pessoas estavam presentes na ocasião, e logo tivemos que nos afastar dali. Minha câmera, enquanto descíamos para a van com a intenção de deixar o corcovado, rolou escadaria abaixo, por doze degraus. Foram os 3 segundos mais angustiantes de minha vida. Quando a reavi, felizmente nenhuma avaria era evidente. Ela prosseguiu comigo, firme, pelo resto da viagem.

Unidade da Polícia Pacificadora no Morro Santa Marta

Pão-de-Açúcar visto de Santa Marta
Voltamos ao estacionamento na portaria do parque. Descemos a sinuosa Estrada do Corcovado, parando no Mirante Santa Marta para visualizar a parte norte do Rio de Janeiro, com destaque para o Pão de Açúcar e a Favela Santa Marta, que até então conhecia apenas pelo polêmico livro Abusado, de Caco Barcelos. Uma base da UPP, na parte alta do morro, era bem visível. Já no nível do mar, e sempre margeando o litoral, desembocamos na Avenida Brasil e, com o dia ainda claro, decidimos seguir caminho rumo a Petrópolis via BR040. O clima instável, sempre cinza, tornou a subida da serra perigosa, o que foi agravado com o cair da noite. Já em Petrópolis, 70km depois, penamos para encontrar pouso. Após rodarmos, molhados, por vários estabelecimentos, encontramos guarida nas imediações do centro, e pudemos contemplar as luzes de natal do fim da noite deste local em que até então nunca havíamos estado.
PARNASO
Na manhã do dia 4 despertamos logo pela manhã dispostos a nos dirigir à sede de Petrópolis do Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Após uma conversa com Luiz, proprietário do estacionamento em que deixamos as motocicletas durante a noite e também fissurado por aventuras sobre duas rodas, descemos um pedaço da serra até o distrito de Corrêas, do qual a Estrada do Bonfim se ramifica. Ela adentramos, cruzamos plantações e humildes casas. Deparamo-nos, alguns quilômetros depois, com a entrada do parque. Não há nela estacionamento para veículos. Tivemos que deixar nossas motocicletas num sítio próximo, de Dona Maria, que gentilmente acomodou nossa bagagem em um dos cômodos de sua simples residência. Daqui em diante nossas pernas seriam o único meio de locomoção. Mal sabíamos o quanto andaríamos.

A Serra dos Órgãos

Trilha na Serra dos Órgãos
Na portaria do parque pagamos uma irrisória quantia. Fomos recepcionados por uma moça que, com aquele sotaque com o qual já nos acostumávamos, nos indicou o caminho para duas trilhas. A primeira, o Circuito das Bromélias, nos daria a oportunidade, caso tivéssemos coragem para desafiar a baixa temperatura da água, de nos banharmos em piscinas naturais cristalinas, formadas por nascentes que brotam no topo da Serra do Mar; a segunda nos levaria a Cachoeira Véu da Noiva, a maior dentro dos domínios do parque. Vale ressaltar que o PARNASO (Parque Nacional da Serra dos Órgãos) tem três sedes: Petrópolis, Teresópolis e Guapimirim, e além destas cidades abrange também o município de Magé. Como informação adicional, pode-se mencionar que foi criado em 1939, o que o garante como o terceiro parque nacional mais antigo do Brasil. Protege, ademais, 20.030 hectares de Mata Atlântica, com uma variação de altitude de mais de 2000 metros.
Poço das Bromélias
Decidimos primeiramente conhecer os poços naturais. Partimos da portaria, em uma trilha leve em meio a bambuzais e riachos. Em menos de 20 minutos estávamos no Poço Paraíso. Águas translúcidas, em alguns pontos com tom de mel, ora parecem ser filtradas pelo grande números de pedras circulares, ora reinam soberanas por redondos e profundos hiatos. Devido à baixa temperatura não arriscamos um banho. Seguimos pela trilha, com vistas a encontrar o próximo poço. Um Sapo de Chifre, camuflado entre as folhas, não passou despercebido por Levi, o que exigiu uma fotografia de minha parte. Deixamos o belo espécime e rapidamente localizamos o Poço das Bromélias, que recebe este nome devido à grande população desta planta nos seus arredores, o que é comum em florestas tropicais. Este poço é mais interessante que o anterior, já que algumas cascatas o adornam. Até o fim do Circuito das Bromélias, conhecemos mais alguns belos poços, como o dos Primatas, todos eles de beleza similar a dos primeiros.

Sapo-de-chifres

Véu da Noiva
Do Circuito das Bromélias, uma outra trilha, de 3km, parte em direção à cachoeira Véu da Noiva. Para chegar a ela, muitas subidas, escorregões e fadiga. A vista das montanhas da serra, nas esporádicas paradas para descanso, são imagens das quais nunca me olvidarei. Mesmo com o tempo nebuloso, a sensação de infinitude do horizonte é marcante. Quando nos aproximávamos do término do árduo percurso, deparamo-nos com a Gruta do Presidente, nomeada em homenagem a Getúlio Vargas, que era um admirador veemente da região. Infelizmente as pichações extraem parte da beleza natural deste enorme abrigo natural de pedra, o que não nos prendeu muito tempo por ali. Já exauridos de energias, nos arrastamos até a cachoeira, a pouco mais de 10 minutos da gruta. A recompensa por nossos esforços foi a visão magnífica, primeiramente lateral, depois frontal, da queda de 35 metros que, de tão suave, pouco som produzia. Fiquei particularmente impressionado com a forma arredondada das arestas da enorme pedra que sustenta a parte esquerda da cabeceira do Véu da Noiva. Uma outra característica peculiar: a água que é despejada pela cachoeira não segue seu curso na mesma direção da queda. Ao contrário de grande parte das cachoeiras, a disposição do Véu da Noiva em relação à serra obriga suas águas a darem uma guinada de 90 graus. Quem porventura tentar alcançar à cachoeira por dentro do rio, certamente terá dificuldades em vê-la.
Casa de Santos Dumont
Voltar pela trilha foi menos desgastante, pois praticamente descemos o tempo todo. Na portaria nos despedimos do pessoal do parque e retornamos ao centro de Petrópolis. O foco agora seria outro: a parte histórica da Cidade Imperial, nome pelo qual também é conhecida, visto ter sido fundada por iniciativa de Dom Pedro II. A arquitetura da Catedral São Pedro de Alcântara, imponente em seu tom de cinza envelhecido, não chamou tanto a minha atenção quanto a Igreja Luterana e suas esculturas “dragonescas” incorporadas às suas linhas góticas. O Palácio de Cristal, presente do Conde d'Eu para a Princesa Isabel, a da Lei Áurea, me fez recordar a Ópera de Arame, em Curitiba, mesmo que carregue um peso histórico considerável e indubitavelmente maior. As residências do Barão de Mauá, industrial, político e banqueiro do Brasil Império, e de Santos Dumont, inventor brasileiro, também foram visitadas. Para finalizar o dia, subimos ao Trono de Fátima, um monumento à santa que, para um ateu como eu, não representa coisa alguma, mas que me interessou por estar edificado em um local estratégico da cidade, de onde é possível ter uma visão, do alto, de quase 360 graus.

Catedral São Pedro de Alcântara, em Petrópolis

Rumo a Teresópolis
No dia 05 fomos despertados pelo desejo de pilotar pela serra de Petrópolis a Teresópolis. Com tímidos nacos de azul no firmamento, descemos pelos distrito de Corrêas e Itaipava, ainda em Petrópolis, de onde acessamos a inspiradora estrada que a une a Teresópolis. Tive que parar em vários momentos para fotografar as montanhas que, juntas, serrilhavam ora horizonte acima, ora horizonte abaixo. A neblina no topo das elevações embelezam ainda mais as paisagens, dignas de fundo de tela do sistema operacional mais utilizado – e questionado, sofrível, problemático, surrupiador – do mundo. Enquanto fotografava, pensava na Travessia Petrópolis-Teresópolis, famosa trilha a pé pelo alto das montanhas e considerada uma das mais belas do Brasil. São 35km que num futuro próximo percorrerei, juntamente com o meu camarada Newton Norio Nabeta, que durante esta viagem me cobrava um levantamento minucioso de informações sobre a travessia.
Caxinguelê
Em Teresópolis, sem demora nos dirigimos à sede do Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Instruídos pelos monitores, subimos de moto por uma estrada de paralelepípedos até o princípio da trilha Cartão-Postal. Esta trilha de 1,6km nos levaria a um mirante em meio à serra de onde seria possível visualizar o Dedo de Deus, famosa formação rochosa de 1692 metros de altura. Contudo, ao chegarmos ao mirante, a manta branca e refrescante, a fatídica neblina, nos negou o privilégio. Descontentes, adentramos a Trilha Suspensa, esta bem mais tranquila. No decorrer, caxinguelês (esquilo brasileiro), macacos, aranhas e uma singela cachoeira, de nome Ceci e Peri, cuja paisagem inspirou o escritor José de Alencar a nomear as personagens – Cecília e Peri – de seu romance O Guarani. Ao findar a trilha nos deparamos com uma barragem cuja escadaria de acesso estava vigiada por um “arrogante” sapo. Após algumas fotografias do local, partimos para a última trilha do dia, a Mozart Catão. Por 1 km andamos com vistas a encontrar um mirante, que nos daria uma visão “aérea” da cidade de Teresópolis. Já sabíamos que a neblina novamente impediria nossos intentos, mas contumazmente percorremos a trilha na esperança de encontrar algum bicho pelo caminho. O único com que topamos foi outro Sapo de Chifres, bem menor e melhor camuflado do que o de Petrópolis.

Cachoeira Ceci e Peri

Jacu
De volta às motocicletas, preparamo-nos para regressar à cidade e encontrar um pouso para a noite. Descendo pela estrada, em direção à portaria, consegui fotografar um Jacu entre as folhagens da mata fechada. Alguns funcionários passavam pelo local e ficaram curiosos. Queriam ver as fotografias da grande ave de papo laranja. Ficaram impressionados com o registro que, apesar de parcial, me foi motivo de orgulho. Saindo do parque, aproveitamos o ensejo para visitar a sede da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Mesmo não gostando do desporto – ao contrário de Levi – não poderia deixar de conhecer a Granja Commary, ao pé da Serra do Mar. Encontramos uma pensão barata, como de praxe, e passamos a noite discutindo o caminho de volta, que se iniciaria na manhã seguinte, enquanto bebericávamos as bebidas artesanais da região, conhecida por sua água muito pura e, portanto, propícia à produção de cervejas afamadas no mundo inteiro.
Até uma outra, PARNASO
O dia 6 e a hora de partir chegaram. Desceríamos – embora Levi e seus rebuscados conhecimentos geográficos insistissem que subiríamos – a serra pela BR116, numa última tentativa de ver o Dedo de Deus a partir de um mirante às margens da rodovia. A neblina, inexorável, novamente nos negou o privilégio. Deixamos a altitude de aproximadamente 1000m de Teresópolis e rapidamente atingimos os 0m do Rio de Janeiro, na Av. Brasil, de onde acessamos a Dutra. Em seguida, a Dom Pedro – o mesmo dito sobre a Dutra no princípio do arrazoado estendo também a esta rodovia – e a Anhanguera. As chuvas da Região Metropolitana de Campinas molharam minha câmera e quase a perdi. Mais do que um exercício de resistência de 1500km para mim e Levi, esta viagem foi uma prova de fogo para minha fiel companheira, minha câmera, que teve o visor trincado em Delfim Moreira, desceu rolando escadaria abaixo no Corcovado e foi molhada pela ação das precipitações chuvosas da segunda maior selva de concreto do Estado de São Paulo. Adeus, serra fluminense. Espero voltar em breve para a Travessia.
Não vejo o sol. Não vejo a lua. Não vejo estrelas, estáticas ou cadentes. Meus dias não deixam de ser dias por não ver o astro-rei. Minhas noites não deixam de ser noites pela falta de um satélite natural. Meus céus não deixam de me trazer alento por não exporem esporadicamente o seu brilho. De fato, por mais que assim o diga, não são meus. Eu é que os pertenço. Estou entregue às estações, aos fenômenos naturais e às intempéries. Sou o que me deixam ser. Enquanto me deixam, por todos eles perambulo, com vistas a conhecer o meu senhorio: o mundo. Quando se aprende a ser uma marionete, com cordas puxadas por um poder natural – e não místico – superior, tudo fica mais sóbrio e aceitável. Tudo fica mais azul, como o limpo firmamento. Ou cinza, como a igualmente limpa bruma.


Mais fotos aqui.

E abaixo um blues para a serra fluminense e para La Luna.